17/05/2019
“Chicão” é como os estudantes do Centro Educacional São Francisco, em São Sebastião (DF), carinhosamente chamam sua escola. A intimidade revelada pelo apelido é fácil de ser entendida quando se olha para o currículo inovador da instituição.
Festival de cinema, aulas de circo, oficinas de vídeos e até mesmo um projeto chamado “Selfie Pedagógico”, por meio do qual os alunos são convidados a olharem para seus interesses e necessidades, são algumas das práticas curriculares desenvolvidas pela instituição em sintonia com a cultura juvenil que proporcionam sentido à aprendizagem dos estudantes.
Implementado pela rede do Distrito Federal em 2013, o currículo foi batizado de “Em movimento” e faz jus ao nome. Além da flexibilidade temática, a inovação se faz presente na estrutura curricular, muito mais dinâmica.
No Ensino Médio, por exemplo, apenas três disciplinas permeiam todo o ano: Português, Matemática e Educação Física. As demais são distribuídas entre o primeiro e o segundo semestre e trabalhadas a partir de temas geradores. “Teve um ano, por exemplo, que os estudantes escolheram a cidade de São Sebastião. A partir desse tema, estudaram várias áreas do conhecimento, culminando em uma exposição e em um desfile de moda que contou com a ajuda das costureiras locais”, conta Mariana Cruz, supervisora pedagógica da escola.
Para a educadora, outra vantagem dessa organização curricular é que possibilita maior proximidade entre alunos e professores. “E é nesse diálogo que vão surgindo as ideias e demandas”, explica Mariana. “E são estas relações que tornam o Chicão tão querido entre os alunos e educadores”, acrescenta.
Para a curriculista Julia Andrade, do Centro de Referências em Educação Integral, é justamente este reconhecimento das características e identidades de cada território e sujeito que dá significância ao currículo, tornando-o inovador.
Se a elaboração das matrizes curriculares deve estar orientada por documentos oficiais como a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), o Plano Nacional de Educação (PNE) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), seu processo de contextualização vai muito além: “Um currículo inovador deve ultrapassar a visão de documento impositivo de uma listagem de conteúdos e habilidades e propor uma clara concepção pedagógica sobre como articular conteúdos das áreas às competências gerais”, explica Julia.
Nesse sentido, deve articular a fundamentação teórico-pedagógica de uma visão de aprendizagem contemporânea com práticas de construção de conhecimento contextualizadas a esta rede de ensino, respondendo por que, o que, onde, quando e como ensinar e avaliar aprendizagens. “Isso apenas pode ser feito mediante um processo de escuta, participação, estudo e cocriação com os professores”, defende a especialista.
São estes os caminhos perseguidos pelo Colégio Equipe, em São Paulo (SP), desde sua fundação, em 1968, quando adotou referenciais pedagógicos de crítica ao ensino conteudista. “As experiências das escolas vocacionais e experimentais que estavam sendo fechadas pelo governo serviram de inspiração. Nós entendemos que o ensino tradicional busca um aluno reprodutor de conhecimento e nós entendemos que os alunos são produtores de conhecimento”, explica Luciana Fevorini, diretora da escola.
Dentro desta perspectiva, a escola trabalha um currículo contextualizado às vivências dos alunos e à realidade de seus territórios por meio de projetos de caráter interdisciplinar. A escola também abre espaço para atender as demandas estudantis tanto no currículo como fora dele.
“Há, por exemplo, dois coletivos feministas, criados a pedido dos alunos e que acontecem fora de sala de aula. Temos feito no Ensino Médio um projeto que envolve todas as séries no qual os alunos levantam temas de discussão e organizamos debates entre eles e especialistas. Há também momentos onde os alunos pedem aulas especiais para os professores e nós ajudamos a organizar. A incorporação é processual”, conta Luciana.
Um dos projetos desenvolvidos no Ensino Fundamental se debruça sobre a pluralidade cultural do povo brasileiro, investigada a partir do conhecimento da ascendência dos alunos. Já no 8º ano, os alunos buscam respostas à questão “Para preservar é preciso isolar?”, por meio de observações, entrevistas, análises e discussões nas regiões de Paraty e Picinguaba.
“Nestes projetos, a experiência de observar, coletar informações, entrar em contato com pessoas de outras realidades sociais permite que nossos alunos relacionem o que aprendem na escola com a realidade”, pontua Luciana.
Mariana, do CED São Francisco, endossa essa importância de articular o currículo da escola com o cotidiano de quem dela participa. “Sou professora de Sociologia e outro dia fui procurada por alunos que estavam pesquisando sobre depressão e ansiedade entre jovens para seu projeto do Selfie Pedagógico. Eles queriam indicações de leitura e de como relacionar momentos históricos da sociedade com esse cenário que existe hoje. Esse é um momento que deixa claro o papel da escola, que é ajudá-los a compreender o que eles veem no mundo”, arremata.