14/10/2020
Privado, urbano e frequentado por brancos das classes mais abastadas da sociedade. Este é o perfil genérico do Ensino Superior brasileiro, de acordo com o Censo 2018 do Inep. Apesar da etapa, nos últimos anos, ter vivenciado avanços na direção de tornar-se mais democrática e inclusiva com a adoção das políticas afirmativas e do Enem como porta de entrada, os dados revelam como ainda falta para superarmos a natureza excludente intrínseca à sua estrutura.
“São medidas importantes, porém paliativas diante do que se tem hoje no Ensino Médio, ainda mais nos contextos de vulnerabilidade que grande parte dos jovens se encontram”, opina Viviane Pinheiro, docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Para a professora, o quadro acima pintado escancara a necessidade de revermos os critérios e processos para o ingresso no Ensino Superior.
Valentim da Silva, professor de Licenciatura em Ciências na UFPR-Litoral, resume o porquê: “A partir do momento que você tem um número de vagas limitadas, você não está perguntando como inclui, mas quem fica de fora e não importa quão bom os de fora sejam.”
A discussão se torna ainda mais oportuna diante do atual contexto. A implementação do novo Ensino Médio deve iniciar-se em 2021, o que provoca redes de ensino, universidades e outros atores a refletir sobre o que esperam dos egressantes da última etapa da Educação Básica e então candidatos à vida universitária.
Propostas não faltam. O documento Construção Coletiva de Propostas para o Ensino Médio, coordenado pela USP, Ashoka e Campanha Nacional pelo Direito à Educação, reúne algumas delas. Como alternativa para o ciclo de exclusão que vemos hoje no Ensino Superior, o texto orienta que as políticas de avaliação da aprendizagem e ingresso no Ensino Superior incluam experiências diversificadas dos estudantes, como projetos desenvolvidos na comunidade, participação em ações coletivas e cuidados com a comunidade escolar.
Também propõe que os estabelecimentos de nível superior criem comissões, incluindo representantes de organizações de estudantes de nível médio e de associações científicas, encarregadas de definir processos de seleção para ingresso na graduação, com sensibilidade para com as peculiaridades das juventudes, tendo como critério prioritário as características que um novo integrante deve apresentar, compatíveis com a vida universitária, em termos de pensamento crítico, atitude científica e capacidade de atuar coletivamente para a promoção do bem comum.
“O ideal seria que adotássemos mecanismos individualizados de acompanhamento da atuação social deste estudante, como seu envolvimento comunitário, inclusive, com o intuito de estimular que ele chegasse com mais experiência no Ensino Superior”, comenta André Lázaro, que foi professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A estratégia, segundo o docente, também seria eficaz no sentido de estremecer a natureza corporativa do Ensino Superior brasileiro. “Hoje, o que vemos nas universidades não é uma formação humana, mas profissionalizante e que alimenta diferentes mecanismos de exclusão a serviço do privilégio de classes”, diz.
Para Valentim, esta mudança de perspectiva exige novas formas de acesso. “Um teste de informações não dá conta de trazer este novo perfil de estudante. Na minha opinião, uma alternativa para o vestibular seria selecionar por projetos que atendessem demandas sociais. E o mesmo ser aplicado no Ensino Superior: imagine que este estudante identifique um desafio a ser superado e durante quatro anos vai apresentando soluções a partir de estratégias de socialização de trabalho”, explica.
Viviane, no entanto, alerta que para que estratégias de ingresso como estas funcionem é necessário pensar em como organizar essas experiências de forma a não agravar as desigualdades. “Pode haver uma avaliação deturpada em relação aos jovens que têm mais oportunidades. Por isso, é necessário pensar mecanismos que valorizem esta cultura juvenil utilizando os critérios da diversidade, da inclusão”.
E acrescenta: “A dinâmica tradicional do Ensino Superior já tem começado a encontrar resistência com os coletivos criados dentro das universidade e etc. Ainda mais depois das mudanças trazidas pela pandemia, acredito que isso trará impactos, se não necessariamente a partir de uma formativa, por demanda dos próprios ingressantes”, diz.