16/06/2020

Juventude se organiza para conter avanço da pandemia nos territórios

Juliana Carmo tem 20 anos e compõe a Agência de Redes para a Juventude, organização de mobilização juvenil. Durante a pandemia de Covid-19 (novo coronavírus), a estudante de engenharia alimentar percorre territórios vulneráveis na capital do Rio de Janeiro e organiza ações de impacto social e sanitário.

“No mês de maio, as lideranças juvenis da Agência impactaram mil famílias, levando informações de qualidade e também distribuindo itens de higiene e cestas básicas. Chegamos em lugares onde muitas vezes o Estado não está.”

Embora aguerrida no combate à disseminação do vírus, a juventude enfrenta os riscos de contaminação e também as desigualdades que ele escancara: segundo a pesquisa “Síntese de Indicadores Sociais 2019 – Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira”, publicada pelo IBGE, 10,9 milhões de jovens entre 15 e 29 não estudam ou trabalham – número que deve aumentar durante a pandemia.

Já para os jovens que estão estudando, a pandemia desvela um cenário de exclusão digital: ainda segundo o IBGE, 58% dos domicílios no Brasil não tem internet. Estudar à distância, procurar emprego ou acessar canais digitais de cultura se converte em privilégio.

“E ainda se tratando de jovens, não podemos esquecer de mencionar a necropolítica instaurada no nosso país com relação a população periférica. Ou o jovem morre de coronavírus, ou morre como João Pedro, de 14 anos, morto pela polícia em sua casa enquanto praticava isolamento social no Rio de Janeiro”, alerta o ativista social e educador Bruninho Souza.

O que a juventude atuante tem a ensinar ao Estado 

O Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC), organização da qual Bruninho faz parte, realiza ações integradas no território de Parelheiros, zona sul de São Paulo. Em parceria com espaços como CPCD (Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento) e com o Núcleo de Jovens Políticos, o coletivo age sob a tríade ‘pão, proteção e poesia’, mobilizando ações como arrecadação de alimentos, atividades culturais à distância e auxílio aos estudantes do Ensino Médio.

“O imaginário coletivo é que o jovem não se interessa por política. Mas a política faz parte do cotidiano e nós, como jovens da periferia e das quebradas, constituímos a nossa com pessoas e territórios. Somos nós jovens que criamos coletivos, saraus e bibliotecas comunitárias”, adiciona Bruninho.

A economista e doutoranda em ciência sociais Luiza Dulci avalia que o Estado brasileiro tem dificuldade em enxergar o jovem como categoria política, ou como uma geração heterogênea. Isto impede a máquina pública, por exemplo, de fortalecer iniciativas jovens em escala municipal ou estadual:

“Há pouco incentivo para participação política dos jovens. Existe uma dificuldade de transferência de cifras mínimas do Estado – e uma série de amarras burocráticas – que impedem que estes recursos financeiros cheguem a estes núcleos menores de organização comunitária jovem.”

Ela ressalta que este mesmo Estado inibe ou invisibiliza expressões de política ou de cultura jovem, criando barreiras para que elas continuem se organizando. Dulci cita a primavera secundarista de 2015, que embora tenha mobilização o debate de educação, gerou poucas mudança efetivas em políticas públicas.

Ainda para a economista, a máquina estatal tem dificuldade de olhar para juventude para além de duas temáticas: a educacional – onde aconteceram de fato os maiores avanços em políticas públicas – e a de segurança pública, onde o jovem é enxergado pelo viés da delinquência. Segundo ela, as juventudes são uma geração a ser protegida.

“E assinalo o tema da violência contra os jovens porque ele reflete muito o desconhecimento do Estado sobre a realidade da juventude, principalmente nas periferias. Quando ele a vê como ameaça, ele expressa indisposição para ouvir o jovem e dificuldade de entender os dilemas complexos e diversos desta geração. Não adianta só tratar de educação ou só segurança quando se fala em políticas da juventude. A máquina pública tem que pensar em ações integrais e integradas.”

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Juventude se organiza para conter avanço da pandemia nos territórios periféricos

O “novo normal” não serve aos jovens 

Já faz quase três meses que Juliana atua nas periferias cariocas. A engenheira relata que os desafios não têm arrefecido, e admite estar assustada com a duração da pandemia e a pouca eficácia de políticas que possam contê-la:

“O nosso trabalho mostra que o jovem importa e que as vidas daquela comunidade importam. Mas eu estou com medo. Além de traçar estratégias de sobrevivência na pandemia, temos que atravessar a falta de financiamento, toques de recolher, fake news dentro da comunidade, e perguntas como ‘o que eu vou comer amanhã?’.”

Dulci assinala com veemência que o Estado não pode se omitir nestes territórios, mesmo com a movimentação emergencial da juventude. “Muitos desses jovens estão na linha de frente por pura necessidade de tocar as coisas. Não dá para romantizar. Têm riscos envolvidos e esta é uma responsabilidade do Estado que não pode ser individualizada ou atomizada. ”

Segundo ela, o que o poder público precisa fazer é pensar que os sofisticados sistema de organização e mobilização da juventude devem ser mote para qualquer construção de futuro pós-pandêmico. “Pensar num mundo pós-crise é pensar que muitas iniciativas interessantes no âmbito ecológico, no âmbito social, partiram da juventude. Fala-se muito sobre um retorno à normalidade, mas a normalidade que está aí não serve para os jovens brasileiros. Que fique a importância de ouvir a juventude na definição dos novos rumos da sociedade”.

 

*Texto de Cecília Garcia, originalmente publicado no Portal Aprendiz

 

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