30/05/2019
O professor fala, os alunos escutam e anotam. Durante séculos, este foi o modelo de aprendizagem passiva da maioria das escola mundo afora. De lá pra cá, no entanto, a sociedade mudou, assim como o papel das organizações educativas.
As inovações tecnológicas colocaram à disposição dos estudantes um volume inimaginável de informações que podem ser acessadas por meio de diferentes dispositivos e em diversos espaços. Nesta conjuntura, a escolarização relacionada à transmissão de conteúdo perdeu o sentido, convidando as instituições a reinventar-se.
“Hoje, a preocupação da escola deve ser formar um sujeito capaz de conviver com os outros, de desenvolver competências de seleção, argumentação, análise crítica desses conteúdos. Para tanto, precisa se conectar à realidade na qual se encontra e se transformar num centro de produção de pesquisa, cultura e conhecimento”, explica Walquíria Lins, consultora do CESAR, localizado em Recife (PE).
Neste processo, a inovação na dimensão da metodologia de ensino torna-se um imperativo. “Precisamos experimentar abordagens metodológicas que possibilitem a criação de cenários de aprendizagem onde o estudante desenvolva as suas competências em trabalho individual e coletivo, aprenda a aprender solucionando problemas, dialogando com os demais colegas, com os professores, conectado e integrado aos outros espaços de aprendizagens como o seu bairro, a rua, os museus”, acrescenta Walquíria.
Os desafios para isso, no entanto, não são poucos. A começar pela fragmentação dos currículos que não dão conta de realizar costuras entre as áreas do conhecimento e com a realidade dos estudantes, sustentada por questões como a formação de professores sem uma perspectiva inter ou transdisciplinar, livros didáticos também segmentados e avaliações elaboradas com foco nos conteúdos por área.
“No entanto, as situações reais, tais como as vividas pelos estudantes, são um complexo de elementos que se compõe de aspectos de diferentes áreas do conhecimento de forma imbricada e articulada. De tal maneira, que nenhum recorte de uma única área dá conta de entender a realidade de uma forma holística como ela é. A identificação e solução de problemas complexos necessitam da capacidade de ver as diferentes perspectivas de uma mesma situação. Isto não se obtém com a formação fragmentada”, explica Walquíria.
Se a mudança passa pela formação docente, esta depende da formação do formador, em um ciclo muito mais complexo. “A nosso ver, somente com a valorização da formação de comunidades de prática, que vão a cada momento exigindo formações voltadas para tal perspectiva, é que se vai conseguir a mudança tanto no âmbito da escola quanto nas formações dos professores, inicial e continuada. E isso precisa ser assumido como política de Estado, condição para que a gente não permaneça driblando as adversidades e deixando boas experiências na obscuridade.”
Na Escola Antônia Lindalva de Morais, situadas em Milagres (CE), o caminho escolhido para a inovação foi a adoção da metodologia da Aprendizagem Cooperativa, focada no protagonismo do estudante. “A interação professor-aluno – condição necessária, mas não suficiente para que o processo ensino-aprendizagem ocorra –, deixa de ser vertical e assimétrica para que se estabeleça o compromisso mútuo pela aprendizagem. Os estudantes são encorajados a compartilhar esforços, não há imposição de saberes ou crenças e sim discussão e compartilhamento de pontos de vista”, explica a diretora Ana Maria Nunes da Silva.
Para que a metodologia se concretize no espaço da sala de aula, todos os professores elaboram planos de aprendizagem estruturados contemplando os elementos essenciais da aprendizagem cooperativa: interdependência positiva, responsabilidade individual, desenvolvimento de competências sociais, interação face a face e o processamento de grupo.
Outro aspecto importante da metodologia está relacionado ao processo de avaliação dos estudantes. Não existe semana de prova, tampouco a aplicação de provas ou testes com o fim de avaliar o desempenho individual. “Todo o processo de avaliação da aprendizagem se dá levando em conta o cotidiano do aluno e sua atuação como protagonista do processo ensino-aprendizagem”, conta o professor Francisco Ivanildo de Sousa.
No âmbito da formação docente, Maria de Lourdes Gonçalves Guimarães, coordenadora da escola, pontua que a gestão e principalmente os professores precisam compreender a escola como espaço de aprendizagem da profissão docente e, sobretudo, de formação continuada. “Somente na relação como os pares o professor poderá desenvolver as competências necessárias do ensinar”.
Walquíria, por sua vez, destaca o caso de uma escola rural de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco, cuja metodologia foi assessorada pelo CESAR School, em parceria com a secretaria de educação municipal, a Qualcomm e a Fundação Telefônica Vivo, a fim de reverter o baixo letramento da comunidade e dos estudantes.
“No primeiro ano, realizamos uma imersão para compreendermos as práticas pedagógicas e a formação dos professores, a organização e infraestrutura da escola, dialogando com a comunidade e com os estudantes para construir coletivamente o sentido das mudanças. A cada ciclo, com duração de um mês, a comunidade escolar decidia o problema da formação seguinte conforme as necessidades que apareciam”, conta.
O primeiro projeto escolhido teve como tema o lixo, devido aos surtos de dengue e chikungunya na região. A cada formação, os professores foram avançando na apropriação das metodologias inovadoras, integrando diversos artefatos tecnológicos às suas práticas e consolidando a cultura de cocriação de projetos. “Muitos professores passaram a planejar as suas atividades de forma colaborativa, realizando planejamentos em pares, integrando projetos com os professores de outros anos, modificando os arranjos e horários das disciplinas para a escola como um todo. Além disso, a comunidade foi envolvida em diversas atividades escolares, como produção de documentários, jornais, exposição de fotografia, e o horário de funcionamento da escola, em alguns dias da semana, foi ampliado”.
Os resultados foram palpáveis. Se a escola apresentava um Ideb de 2.8 no início do projeto, ao fim da consultoria, esse índice saltou para 4.3 pontos. “As competências de criatividade, colaboração, comunicação e fluência digital também foram avaliadas por uma consultoria especializada em avaliação e todas cresceram significativamente”, comemora a especialista.