Bruninho Souza: “Não dá para pensar política e transformação social se o debate não passar pela educação e pelos jovens”

Não adianta colocar um “s” depois de “juventude” e achar que a diversidade do que é ser jovem no Brasil está abarcada. É preciso ir além e dar voz e autonomia para que esta população se expresse e, mais, tome também decisões. Quem diz é Bruninho Souza, integrante do Núcleo de Jovens Políticoscoletivo formado por cerca de 30 jovens com idade de 18 a 20 anos, que se encontra para debater a política que acontece “no chão da periferia”.

Reconhecido pelo programa Jovens Transformadores pela Democracia da Ashoka, Bruninho, 24 anos, é morador do Jardim Ângela e tem uma trajetória extensa de mobilização, atuando também em iniciativas de promoção da leitura e por uma educação antirracista.

Em entrevista ao Movimento de Inovação na Educação, ele falou sobre seu trabalho no coletivo, o que significa ser jovem de um território periférico, além da necessidade de falar sobre política na escola: “Não acho que sou um jovem iluminado. A escola e outros movimentos foram me ajudando a ter essa compreensão e leitura dos movimentos políticos que aconteciam na quebrada”, explica. Confira a entrevista na íntegra:

Movimento de Inovação na Educação: Primeiramente, você poderia explicar melhor o Núcleo de Jovens Políticos e sua atuação nele?

Bruninho Souza: O Núcleo de Jovens Políticos é um coletivo jovem que acredita na horizontalidade e na democracia no seu sentido mais radical. Todo mundo no grupo tem um papel muito importante e assim vamos desempenhando nossas habilidades e competências. Por exemplo, eu atuo em outras frentes e coletivos, então ajudo a mobilizar outros atores, outras pessoas que acredito que sejam interessantes e possam contribuir com os Jovens Políticos. Então faço muito esse papel de promover o diálogo. Além disso, a maioria de nós tem uma atuação muito forte na área de educação. Eu sou estudante de Pedagogia, então trago muito em nossas conversas e debates formativos, reflexões sobre educação, gênero, questões raciais. Porque todas essas questões estruturam os debates políticos e sociais. Não dá para pensar política e transformação social se o debate não passar pela educação.

MIE: Como é o dia a dia do trabalho do coletivo?

BS: Costumamos compreender a demanda e necessidade da comunidade que, inclusive, acaba sendo as demandas de nós, jovens, porque estamos inseridos dentro desse contexto. A partir daí, a gente constrói ações coletivas. Por exemplo, dentro da Escola Amélia Kerr Nogueira, que fica na região do Jardim Vera Cruz, onde o Núcleo de Jovens Políticos surgiu, promovemos um clube de leitura. Um grupo de jovens se encontra uma vez por mês ali para debater uma obra literária, além de questões estruturais da escola como possíveis melhorias. Esse ano também começamos encontros em formato de aula pública. No mês passado, tivemos a primeira na qual debatemos se a “política era pop”, ou seja como ela acontece no nosso cotidiano. Já nesse último fim de semana, tivemos um grupo majoritariamente de meninos para falar sobre masculinidades e no fim teve uma oficina de arranjo de flores. Então a gente percebe que dentro das quebradas e periferias, falar de política é falar de como as relações se dão nestes contextos complexos e diversos.

núcleo de jovens políticos

Bruninho Souza, do Núcleo de Jovens Políticos.

MIE: E como você se envolveu com o trabalho de mobilização para a política?

BS: O start do meu envolvimento com o campo político surgiu muito mais de uma indignação de ouvir o tempo todo na mídia ou de pessoas mais velhas que os jovens não gostavam de política. E eu na quebrada via e ainda vejo muitos jovens se engajando e propondo soluções inovadoras para a comunidade. E comecei a tomar consciência que isso era um movimento político. Não acho que sou um jovem iluminado. Sobretudo, a escola e outros movimentos foram me ajudando a ter essa compreensão e leitura dos movimentos políticos que aconteciam na quebrada. Por isso, considero fundamental falar de política na escola. Do mesmo jeito que a gente alfabetiza as crianças para português e matemática, deveríamos ter dentro das escolas uma alfabetização para a vida política. 

MIE: Em quais outros coletivos você atua e como seu território se manifesta no seu ativismo?

BS: Para além do Núcleo de Jovens Políticos, atuo na Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura, que fica em Parelheiros, extremo sul da cidade de São Paulo, e também no Encrespados, um coletivo que discute educação antirracista, que também nasceu na Escola Amélia Kerr Nogueira. O Encrespados estará semana que vem, inclusive, na FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty apoiado pela Fundação Tide Setúbal. Então eu circulo muito nestas duas quebradas e em São Paulo como um todo, Jardim Ângela, Centro e todos esses territórios. O legal de pensar território é que é sempre um lugar de disputa: de narrativas, de políticas, de paisagens. Então o território se manifesta no meu ativismo como o lugar que dá sustentação, que alicerça as coisas que eu acredito e me dá mobilidade. Não somente a física, mas a mobilidade imagética, de ideias.

MIE: Muito se fala sobre a necessidade – e também dificuldade – de aproximar as juventudes das discussões sobre políticas públicas. Como vocês têm feito essa articulação e como torná-la atrativa, interessante?

BS: Acho que primeiro precisamos compreender esse conceito de juventudes. É muito importante falar no plural, porque é diferente ser jovem aqui na quebrada e na Vila Madalena. Ser jovem, negro, gay na quebrada é diferente de ser jovem, branco, gay na Avenida Paulista. Mas colocar o “s” nem sempre significa que estamos considerando as pluralidades de como se existe no mundo e nesta sociedade. As grandes organizações quando vão à periferia cometem um grande equívoco quando acham que os jovens da quebrada são homogêneos. A gente é heterogêneo! Tem jovem que gosta de funk, tem jovem que gosta de música clássica, que é do candomblé, que é evangélico. Então, precisamos olhar para a quebrada como esse lugar da diversidade, da potência e não só da escassez.

E pensando todos esses pontos, nesses territórios onde as existências e narrativas estão em disputa, o diálogo sobre política precisa passar por questões que são urgentes para estes indivíduos. Não dá para achar que vai chegar lá pela primeira vez e que vai discutir Lei de Diretrizes Orçamentárias e Constituição sem falar sobre como a vida se organizada naquele território. A gente tem total consciência que disputar os espaços institucionais é disputar também o jeito que a gente quer construir a sociedade e de como as vidas vão se expressar nesses territórios diversos e adversos.

MIE: Quais são algumas das conquistas trazidas por meio do Núcleo de Jovens Políticos?

BS: Para além das reflexões e diálogos que a gente considera uma conquista, porque ainda tem muito do imaginário que só o outro pode refletir, que só acadêmico consegue produzir política, a gente alcançou coisas bem factíveis nesse tempo de coletivo. Uma delas foi que na gestão Fernando Haddad (PT) em São Paulo conseguimos organizar uma audiência pública com jovens onde o prefeito compareceu para ouvir as demandas das juventudes para o território. Teve também a compra do Clube dos Funcionários Públicos – antes privado – pela prefeitura e que foi aberta para a comunidade como um espaço de lazer. Isto foi uma demanda nossa apresentada nesta audiência pública. Outra coisa foi a construção de duas pistas de skate na região. Então temos as conquistas simbólicas, de construir espaço seguros para discutir política, democracia e juventudes, e as conquistas materiais. Para nós, elas caminham juntas.

juventudes

Integrantes do Núcleo de Jovens Políticos

MIE: Em sua opinião, o que falta para que vejam no jovem sua potência transformadora? Eles estão de fato sendo ouvidos?

BS: Falta dar autonomia e poder de decisão para esse jovem. Vejo organizações e espaços institucionais com ideias bem legais como colocar jovens nos conselhos participativos e consultivos, mas aí o jovem não tem o poder de tomar decisão sobre aquilo que estão pensando, discutindo. Fica um pouco “vamos colocar jovens aqui para verem que estamos incluindo”. Então um conselho que eu daria para essas organizações é o de dar tempo e espaço para errar, sobretudo, aos jovens da quebrada. Porque a gente vive falando que empreendedorismo virou sinônimo de juventude, mas para o jovem que recebe 20 mil do pai para empreender um projeto inovador tudo bem errar porque se der errado ele volta para a casa e a vida continua. Mas na quebrada não tem muita essa possibilidade do erro. 

MIE: Se pudesse dar um conselho para um jovem que está começando seu ativismo, qual seria?

BS: A gente vive numa sociedade muito rápida, líquida e exigente. Uma sociedade que fica todo o tempo criando parâmetros do que é ser jovem. Ontem terminei de ver uma série norte-americana muito engraçada e genial chamada Grown-ish. Em um dos episódios, a personagem está procurando o estágio dos sonhos na Vogue e começa a pensar em exemplos como Mark Zuckerberg, que inventou o Facebook e mudou as relações no mundo inteiro, e Malala, a pessoa mais jovem a ganhar o Prêmio Nobel. Estas são narrativas muito potentes, com as quais a gente pode aprender muita coisa, mas que são ao mesmo tempo muito perigosas porque criam parâmetros de como o jovem precisa ser. De que se você chegar aos 25 sem um carro e dinheiro você falhou. E ser jovem hoje é muito diverso, ainda mais quando pensamos nos contextos periféricos. Às vezes, com 25 a pessoa não terminou nem o Ensino Fundamental porque teve que trabalhar para ajudar em casa. Então eu diria para esse jovem que ele não está sozinho, para pedir ajuda e que o parâmetro de jovem tem que ser ele mesmo: as suas possibilidades e necessidades.

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