Confeccionada por artistas populares, a rabeca é o instrumento musical – considerado precursor do violino – que embala as apresentações do Boi de Reis no Rio Grande do Norte. Foi quando tinha apenas 10 anos e ouviu sua música tomar conta da escola onde estudava que Fabrício Cardoso colocou na cabeça uma missão: ia aprender a tocá-la também.
“A escola para mim era então um lugar chato, onde eu tinha tido muitas experiências negativas. E então eu me apaixonei pelo som da rabeca. Pedi o instrumento emprestado para um amigo e comecei a tocar. Dali para frente, fui percebendo não só a importância da educação, mas também a riqueza do meu bairro“, conta.
Criado em Felipe Camarão, bairro periférico da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, Fabrício antes via seu entorno apenas pelo viés da falta de oportunidade. “O bairro sempre foi tido como um lugar violento, então tinha aquela coisa do medo, de não ficar na rua. A gente via a quantidade de crianças que iam para caminhos ruins, ficando à mercê das violências.”
Mas seu olhar começou a mudar quando começou a frequentar o projeto Conexão Felipe Camarão, o responsável pela aula de rabeca em sua escola. O bairro começava enfim a ganhar vida com a tradição cultural de seus patrimônios imateriais como o Auto do Boi de Reis do Mestre Manoel Marinheiro, o teatro de bonecos João Redondo do Mestre Chico de Daniel, a musicalidade da rabeca do Mestre Cícero da Rabeca e a capoeira do Mestre Marcos.
Estas ações integravam crianças, jovens e famílias moradores de Felipe Camarão, além de articularem educadores, escolas públicas e colaboradores da comunidade em geral num processo contínuo de preservação e difusão da cultura de tradição oral do bairro, criando um espaço de memória.
De aprendiz o garoto passou rapidamente a professor de rabeca e, inclusive, aprendeu a confeccioná-lo por meio da técnica da luteria. Para além das habilidades musicais e de artesão, Fabrício acredita que o maior ganho que o projeto lhe trouxe foi o senso de pertencimento e valorização em relação ao seu território, além do exercício de seu protagonismo.
“Ali, a gente estava discutindo cultura, educação, história. O projeto foi essencial para eu entender hoje o quanto temos que valorizar nossas tradições. A gente tinha muitas experiências de participação em seminários, de formação política, contato com os mestres de cultura”, conta.
Sua vivência na iniciativa foi também decisiva para sua escolha profissional. Hoje estudante de Pedagogia, Fabrício se aprofunda no tema de território educativo, almejando levar para outros educandos a importância do olhar sensível e atento para os conhecimentos do território.
“A gente cresce com as realidades de outros bairros sendo apresentadas como melhores. E no nosso caso, como não tem escola de Ensino Médio em Felipe Camarão, temos que sair para continuar a estudar. E neste outros espaços muitas pessoas te colocam como o menino preto da periferia e ridicularizam o Boi de Reis. E assim esse valor vai se perdendo”, critica.
Mudar esse entendimento começando pela escola é chave não só para preservar as manifestações de cultura local como também para respeitar as identidades desses indivíduos, diz o jovem. “Quando você entra em uma escola e os professores não veem com bons olhos sua história de vida, não sabem de onde você vem, isso tem um impacto muito negativo. Por isso, acredito que é preciso trazer a cultura local para dentro da escola para criar um sentimento de pertencimento no aluno.”
Para o estudante, isto é inovação: uma educação com significado, que dá sentido para a vida. “É preciso considerar a integralidade dos sujeitos. Há ainda a prática de uma educação que só leva para o mercado, sem fomentar olhar crítico, sem dar aos alunos consciência do seu entorno. Mas para mim a educação inovadora é aquela que respeita e valoriza a identidade de todos”, conclui.