17/09/2020
Há pelo menos uma década discute-se a necessidade de repensar o Ensino Médio brasileiro. Historicamente tida como um dos principais gargalos da educação, a última etapa da Educação Básica traz em seu bojo desafios como baixos indicadores de aprendizagem, déficit de professores e a falta de conexão com as culturas e anseios jovens, traduzida na alta taxa de evasão: por ano, em média, 11% dos estudantes abandonam a escola, segundo o Censo Escolar.
Tentando responder estas questões, em 2017, foi sancionada a reforma do Ensino Médio que trouxe entre as novidades os itinerários formativos, a ampliação das possibilidades de formação profissional e o aumento da carga horária. “Acredito que a reforma do Ensino Médio mistura boas e más ideias. A verdade é que a reestruturação da etapa vem sendo discutida há muito tempo no Congresso Nacional. Havia um projeto de lei mais maduro, mas que acabou sendo descartado pelo governo Temer”, comenta Alexsandro Santos, diretor da Escola do Parlamento.
“Na minha opinião, as boas propostas vão no sentido de desengessar o currículo, com a ideia de customizar as trajetórias dos estudantes de forma que estas dialoguem com seus projetos de vida”, acrescenta.
Mas com o início da implementação previsto para 2021, as redes de ensino se veem diante do desafio duplo de buscar seus próprios caminhos para efetivar o novo ensino médio além de estratégias que busquem lidar com as consequência da pandemia, o que exigirá um exercício de intenso diálogo entre as escolas e os anseios, identidades e interesses das juventudes.
“Neste momento de pandemia, a escola que já não era atrativa se distancia ainda mais do jovem. Por isso, a importância dos gestores e educadores de praticarem a escuta como metodologia de aprendizagem e formação, de olharem para a questão da construção do vínculo – não só com o aluno, mas famílias e território – como algo muito importante”, aponta Bruno Souza, do coletivo Encrespados e do Núcleo Jovens Políticos.
É nesta perspectiva que foi elaborada a Construção Coletiva de Propostas para o Ensino Médio, elaborada entre outubro de 2018 e junho de 2019, sob a coordenação da Faculdade de Educação da USP, Ashoka e Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Em um exercício de diálogo com as diretrizes do novo Ensino Médio, o documento elenca 27 propostas para a etapa, dando especial ênfase à necessidade de incorporar os modos de vida, condições, expectativas e projetos de vida dos jovens.
Para tanto, as propostas apontam a imprescindibilidade das políticas públicas considerarem a participação juvenil nos momentos de sua elaboração e implementação. “Como participante de coletivos, vejo muito o discurso por parte das gestões de que precisamos ter voz, propôr coisas, mas quando os jovens começam de fato a liderar, a se empoderar, isso é por vezes visto como uma ameaça”, coloca Bruno. “Vejo a inclusão como um mecanismo contra a evasão. Mas para incluir, é preciso dar espaço”, continua.
Alexsandro concorda. Para o especialista, o fato do Brasil ter sido constituído a partir de tradições autoritárias dificulta não somente que os jovens sejam ouvidos, mas toda e qualquer população que não detenha o poder econômico. “Temos ainda muita dificuldade para escutar, mas tivemos avanços, sobretudo, na década de 2000. Acredito que fornecer formação política aos jovens também é uma estratégia, pois assim eles podem aprender sobre quais são os mecanismos institucionais para influenciar políticas públicas. Isso é fundamental para transformar suas vontades em ações.”
Outro ponto caro às propostas é a valorização da diversidade, aconselhando que as escolas busquem experiências nas diversas linguagens e expressões de forma a qualificar as trajetórias pessoais, o autoconhecimento, além do respeito ao outro. “Incluir essa diversidade de trajetórias de vida na escola é um jeito de criar uma educação mais justa. Tem tanta coisa legal nas quebradas, na periferias, por exemplo, que a escola não olha. Se abrir para essa diversidade, para essas narrativas, isso sim é incluir”, diz Bruno.
Mas para que todas essas propostas funcionem precisamos parar de olhar o campo educacional separado de outros campos da política pública, diz Alexsandro. “A evasão de um jovem porque teve que trabalhar para ajudar sua família ou de uma jovem que engravidou não são questões a serem resolvidas apenas pela escola. A vulnerabilidade social, por exemplo, é questão da assistência social, da saúde. Enquanto a política pública olhar para este sujeito de forma fragmentada não avançaremos”, diz.
Segundo o documento, todas as políticas relativas às orientações curriculares para o ensino médio deverão prever as condições para: