18/11/2022

Racismo e nazismo nas escolas de elite: O que foi ensinado a estes alunos?

Por Helena Singer*

Vencemos. Quanto alívio na vitória apertada de Lula sobre Bolsonaro, da democracia sobre a extrema-direita. Há muito o que celebrar e muito a reconhecer, retomar, criar.

Celebremos a vitória, mas reconheçamos que escapamos por pouco de o fascismo se consolidar no país. A vitória na eleição presidencial não pode nos impedir de ver que o fascismo está organizado, financiado e disseminado por toda a sociedade.

Além das ruidosas manifestações e obstruções de vias públicas contra os resultados das eleições, o fascismo tem aparecido também na proliferação dos discursos de ódio. Como a vitória de Lula foi garantida sobretudo pelos eleitores do Nordeste e como ele também foi vencedor entre os mais pobres, os negros e as mulheres, espalharam-se pelas redes sociais e em grupos privados mensagens de ódio contra estas populações. As escolas particulares, majoritariamente formadas por estudantes brancos de classe média alta, não ficaram de fora disso.

Na última semana, ganharam grande repercussão casos de mensagens xenofóbicas, racistas, nazistas e misóginas enviadas por estudantes de escolas particulares muito prestigiadas em São Paulo, Brasília, Curitiba e Porto Alegre. Episódios similares já vinham sendo noticiados nos meses anteriores às eleições. Em geral, os casos seguiram um roteiro comum: os familiares dos estudantes a quem foram endereçadas as mensagens denunciaram os episódios à polícia ou Ministério Público, as escolas foram então acionadas e responderam repudiando as manifestações e expulsando seus autores.

Alunos do Colégio Visconde de Porto Seguro da unidade de Valinhos, no interior de São Paulo, proferiram ofensas de cunho racista e nazista em grupos

Tudo tratado como se os eventos acontecessem em shopping centers. O cenário sendo a escola deveria sugerir desdobramentos totalmente diferentes. Em primeiro lugar, os autores das manifestações não são adultos, portanto seus atos não podem ser classificados como crimes, como muitos têm referido. Cometeram, sim, atos infracionais e isso pode mobilizar as autoridades policiais e judiciárias, mas a abordagem tem que ser outra. Seguindo o ECA, os adolescentes envolvidos estão em conflito com a lei e, como tal, devem ser direcionados a medidas socioeducativas e protegidos.

O inusitado da situação é que os adolescentes em tela são, supostamente, muito bem protegidos e acessam privilegiadas instituições educativas, cobiçadas escolas particulares, as que mais aprovam nos exames vestibulares, as primeiras colocadas nos rankings.

Assim, o primeiro questionamento que deveríamos fazer é: o que ensinam estas escolas? Qual o currículo que foi oferecido a estes estudantes para que eles aprendessem que os negros, as mulheres, os indígenas e nordestinos são os culpados pelas mazelas do país? O que aprenderam sobre o nazismo, o fascismo, as ditaduras militares?

Deveríamos também questionar: diante de situações de conflitos entre os estudantes, como estas escolas atuam? Isso porque a escola não ensina apenas os conteúdos dados nas aulas. A escola educa em todos os seus ambientes e relações. Lidar com os conflitos é uma das grandes oportunidades de aprendizado para todos. Expulsar os estudantes, além de ser questionável do ponto de vista legal, não contribui para a educação dos que foram expulsos, nem para a reparação do sofrimento causado aos que receberam as mensagens, muito menos para a superação das condições que tornaram o ambiente propício ao ato infracional.

Portanto, nada está garantido que as ideias de ódio não continuem circulando e, em momento futuro, voltem a ser proferidas. Se após um autoexame profundo e coletivo sobre o currículo, o ambiente, as relações e os projetos pedagógicos destas escolas, concluir-se que não estavam ali as condições que propiciaram as manifestações de ódio, há que se investigar as famílias dos estudantes envolvidos, buscando-se sempre a proteção dos adolescentes, que devem ser afastados das serpentes que espalham o ódio.

Algo podemos aprender com o fortalecimento da extrema-direita no país: não há mais espaço para a fábula da inexistência do racismo aqui, nem para ingenuidade em relação aos valores das nossas elites.

Recriar a democracia é, portanto, não somente retomar projetos e programas, mas elaborar novas referências, instituições, práticas e narrativas. Entre estas, novos parâmetros sobre a qualidade da educação são fundamentais: se continuarmos com os mesmos indicadores e processos, continuaremos enaltecendo ambientes de reprodução da cultura xenofóbica, racista e misógina, absolutamente incapazes de formar para a democracia.

Na próxima semana, evento na Universidade de São Paulo que será transmitido online terá este foco.

*Helena Singer é socióloga e líder da estratégia de juventude da Ashoka. Ashoka foi uma das parceiras do Prêmio ECOA 2021.

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