26/03/2021
Aos muitos desafios enfrentados pela educação no campo, a pandemia de Covid-19 somou ainda outros. Em meio ao cenário de incertezas, no entanto, uma escola vem chamando a atenção. Localizada na área rural de Bananeiras, na Paraíba, a Escola Nossa Senhora do Carmo, como todas as outras, teve que adaptar-se de forma repentina, mas sem desviar do seu caminho: uma educação transformadora integrada à realidade do campo.
Orientada pelos princípios da educação popular e libertária, a escola atende crianças e jovens de 12 comunidades da região, contemplando a Educação Infantil e Ensino Fundamental.
Leila Coelho, diretora da escola, conversou com o Movimento de Inovação na Educação, contando os impactos, aprendizados e como a equipe vem se reorganizando neste momento pandêmico em cada uma das 5 dimensões de uma organização educativa inovadora: metodologia, gestão, currículo, ambiente e intersetorialidade. Confira:
Em 2015, a Escola Nossa Senhora do Carmo aboliu a seriação, as aulas e as provas do processo educativo e seu currículo passou a se organizar por projetos de pesquisa e roteiros de aprendizagem transdisciplinares. Esta forma de estruturar o trabalho pedagógico se mostrou exitosa com a chegada da pandemia.
“Quando recebemos o decreto da suspensão das atividades presenciais, em março do ano passado, tivemos pouco tempo para nos adaptarmos para o remoto. Mas como já trabalhávamos com os projetos foi como dar continuidade ao nosso trabalho só que em outro ambiente”, explica Leila. “Como sempre demos autonomia aos estudantes, nossa metodologia não sofreu tantos impactos.”
Os alunos passaram então a desenvolver os roteiros de aprendizagem de suas casas, sempre contando com a mentoria do tutor – professor responsável por um grupo de educandos e pela mediação do projeto. “O tutor passou a fazer o acompanhamento dos seus alunos por telefone”, diz Leila. A parte voltada para a pesquisa de campo, envolvendo saídas de observação, no entanto, teve que ser adaptada para ocorrer à distância. Assim como acontecia antes da crise sanitária, os alunos são agrupados de acordo com suas curiosidades e interesses, independentemente da idade.
O maior desafio, conta a diretora, foi inserir gradativamente as tecnologias às práticas. Para isso, a equipe realizou um diagnóstico com as famílias para compreender a estrutura tecnológica de cada uma: quem possuía wi-fi, plano de internet no celular ou não tinha acesso algum. “Há alunos que, até hoje, recebem os roteiros impressos e já outros que recebem via Whatsapp. Os maiores, de 11 a 14 anos, estão no Google Classroom”.
Apesar de basear-se na gestão participativa desde sua fundação, as mudanças trazidas pela pandemia também impactaram a gestão escolar. “Já trabalhávamos com grupo de Whatsapp para nos comunicarmos com as famílias e intensificamos o acompanhamento por meio deste canal. Também passamos a usar a tecnologia para estarmos em contato direto com o corpo docente”, conta Leila.
Para a diretora, inclusive, essa é uma das transformações trazidas pela pandemia que será incorporada. “Essa possibilidade de nos encontrar de forma virtual facilita muito, pois presencialmente era muito difícil conciliar agendas. Houve também um estreitamento de laços tanto com as famílias como entre o corpo docente.”
Em novembro do ano passado, prevendo uma possível volta às aulas no modelo híbrido, a equipe se reuniu presencialmente em diferentes momentos com pequenos grupos de pais para fazer uma avaliação do trabalho da escola durante a suspensão das atividades presenciais e pensar coletivamente como o novo modelo poderia ser implementado seguindo os protocolos sanitários. “Estudamos os guias enviados à rede. Em fevereiro, retomamos de forma híbrida seguindo este planejamento, mas paramos faz duas semanas por conta desta nova onda.”
No momento, a escola está revisando sua matriz curricular. Os novos cenários e conhecimentos produzidos pela pandemia, no entanto, já adentraram o trabalho pedagógico. Além daqueles previstos, novos projetos foram nascendo diante das necessidades levantadas pela crise.
“Os alunos fizeram roteiros sobre as emoções, ações de solidariedade nas comunidades, entre outros temas ”, conta Leila. Assim como era antes da pandemia, os roteiros são pensados a partir dos interesses dos alunos e estruturados pelos professores-tutores de forma a condensar conceitos e conteúdos curriculares. Cada projeto tem duração de três semanas e o fato dos grupos de roteiro serem compostos por alunos de diferentes idades enriquece ainda mais as trocas.
Em relação ao ambiente, Leila afirma que a pandemia só fortaleceu a noção que compartilhavam sobre a importância de olharmos para o território. “Já buscávamos romper com as barreiras físicas, os muros, trazendo uma escola integrada ao campo, à natureza. Com a necessidade de reclusão, regredimos um pouco neste aspecto, mas com a clareza do quanto a gente precisa mudar essa visão do que é espaço da escola.”
A educadora relata que os alunos sentem muita falta dessa parte de convivência. “Nas semanas que houve o retorno, depois de 1 ano sem contato com outras crianças, foi muito significativo voltar ver e perceber o quanto elas estavam se sentindo pertencentes, o quanto as relações tecidas no espaço escolar definem a escola.”
Outro ponto fundamental foi a articulação da escola com outros setores do território. Este diálogo entre os diversos agentes permitiu assegurar os direitos dos estudantes, além da saúde física e mental de todos. “Neste momento de pandemia, estamos definindo as necessidade de acordo com os acompanhamentos que fazemos com as famílias, educadores e alunos e buscando parcerias com especialistas como psicólogos e psicopedagogos.”
Realizado pelo Centro de Referências em Educação Integral, em parceria com diversas instituições, a campanha #Reviravolta da Escola articula ações que buscam discutir as aprendizagens vividas em 2020, assim como os caminhos possíveis para se recriar a escola necessária para o mundo pós-pandemia.
Leia os demais conteúdos no site especial da #Reviravolta da Escola.