09/12/2021
Uma escola experimental, construída coletivamente por e para a comunidade, com um currículo que coloca todas as ciências a serviço da emancipação dos seus estudantes – jovens e adultos da região do Campo Grande, em Campinas (SP). Assim pode ser definido o Espaço Concórdia, projeto que revolucionou a forma de fazer EJA na rede municipal.
Colocando em prática o referencial pedagógico de Paulo Freire, a escola rompeu com os paradigmas tradicionais de ensino para promover práticas que, de fato, conectam os estudos desta população – historicamente excluída pelos sistemas educacionais – com a cultura e as vivências da sua comunidade.
Mas quatro anos depois de abrir suas portas, todo este esforço corre o risco de perder-se. A equipe do NAED Noroeste, responsável pelo projeto (a Secretaria Municipal de Campinas é subdividida em 5 regiões, cada qual administrada por um Núcleo de Ação Educativa Descentralizada – NAED), foi informada que a escola teria que voltar a funcionar como as outras da modalidade EJA. Segundo a SME, enquanto rede, seria preciso manter todas as escolas no mesmo formato.
Atendendo a região do Campo Grande, um território com alta vulnerabilidade social, o NAED Noroeste, historicamente sempre enfrentou a carência de políticas públicas. Na rede municipal, tudo era dividido de forma igualitária – equipamentos, dinheiros, etc. – uma lógica que acabou perpetuando a dificuldade de reverter esse quadro.
O cenário começou a mudar em 2013, quando o núcleo começou a construir e implementar a proposta de território educativo, desenvolvendo um trabalho visando, sobretudo, o fortalecimento das relações intersetoriais. “No começo, não entendíamos muito bem como fazê-lo, só que precisávamos unir esforços. O pessoal da Assistência Social tinha bastante experiência em como organizar essas ações, então o primeiro passo foi participar dessas reuniões intersetoriais com eles. A partir daí, começamos a fortalecer essas pontes e surgiram ideias de como fortalecer os projetos educativos da região”, conta Dejanira Fontebasso Marquesim, supervisora do NAED Noroeste, uma das responsáveis pelo projeto.
Outra ação essencial foi conhecer experiências exitosas de outras redes, como a do CEU Heliópolis, em São Paulo (SP). A partir dessas formações, nasceu a experiência local de renovação da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Dejanira conta que havia uma necessidade grande de formação desta população no território, mas que o formato em vigor não dava conta de contemplar. Turnos longos, aulas tradicionais e outros problemas contribuiam para os altos níveis de evasão.
“Então sentamos junto com a secretaria e construímos uma proposta alternativa de EJA. Todas as nossas escolas trabalham com agrupamentos e fazem um trabalho pedagógico interdisciplinar de modo a manter esses estudantes na escola”, conta. Como grande expoente desta proposta, está a escola experimental Espaço Concórdia: modelo interdisciplinar composto por três horas de aula presencial e uma hora de trabalho tutorado, além de aulas públicas que permitem que os alunos conectem os estudos com a cultura e as vivências da sua comunidade.
A perspectiva de trabalho intersetorial também conta com a parceria com universidades como a Unicamp e PUC, que entram com projetos que apoiam tanto a formação de profissionais, como de pesquisa e atendimento social. Além das organizações da sociedade civil que atuam no território nos mais diversos campos como música, cultura, esporte, entre outros, criando uma verdadeira rede de proteção.
Apesar dos impactos positivos na comunidade, como o engajamento e frequência dos alunos na modalidade, o NAED Noroeste se deparou com a notícia vinda da secretaria de que o projeto como era tinha que acabar, por ter se tornado inviável. Um balde de água fria, já que a proposta era justamente o contrário: esperava-se que a experiência da escola inovadora promovesse a mudança na EJA da rede como um todo e que arrastasse essa mudança também para as outras etapas.
Apesar do revés, o NAED Noroeste continua lutando pelo projeto e dialogando com a SME alicerçado na ideia de que é necessário e urgente criar mais canais para ouvir os territórios e a partir disso repensar as políticas públicas. “Assim como o nosso está fazendo trabalhos interessantes, pode ser que os outros estejam fazendo. Entendo que algumas coisas podem ser comuns porque somos uma rede, um sistema, mas que outras podem ser diferentes, porque atendem as especificidades, a identidade do território”, defende Dejanira.