19/09/2019

Gestão democrática melhora a qualidade do ensino

Fazer da escola um espaço compartilhado, aberto ao diálogo e em que toda a comunidade escolar se sinta parte do processo de decisão é uma difícil tarefa. Ao mesmo tempo, é uma alternativa que traz benefícios e melhora a qualidade do ensino, caso seja conduzida com o comprometimento de uma gestão democrática . Com gestores na maior parte das vezes sobrecarregados, distribuir a liderança pode ser a solução para as escolas.

Cerca de 49%dos diretores apontam a falta de tempo como principal desafio da gestão pedagógica no Brasil. Estes dados, indicados pela Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ( OCDE), revelam também que 38% dos gestores brasileiros relatam que não tem espaço sobrando para dar atenção às necessidades diárias dos estudantes em atividade escolar.

Para entender melhor o que configura uma gestão democrática, e como ela pode auxiliar nesta demanda por uma escola mais colaborativa, conversamos com a pedagoga e especialista do Conviva, Márcia Portela. Com a experiência de 12 anos de atuação como professora e diretora do curso de Pedagogia, também foi secretária municipal de Educação de Macaíba (RN), quando aplicou os processos de liderança distribuída.

Confira a entrevista:

Quais são as funções esperadas da equipe de gestão?
Márcia Portela: O diretor, principalmente em escolas públicas, é a pessoa mais preocupada com a parte financeira e administrativa da escola. Ele fica responsável por administrar vagas, materiais, calendário de atividades, construir plano político pedagógico da escola (PPP). Já o vice-diretor, quando há, fica responsável por auxiliar nessas tarefas. Existe também a figura do coordenador pedagógico, que é muito importante dentro da escola, porque cuida da parte de orientar o trabalho dos educadores. Se você tem uma equipe basicamente formada por esses sujeitos, você precisa planejar o trabalho. E esse é o maior desafio.

O que caracteriza uma gestão democrática?
Márcia Portela: Planejar em conjunto já é um movimento democrático. Para que exista uma liderança distribuída, é fundamental a participação de todos que fazem parte da escola nos processos de decisão e planejamento. Do porteiro ao diretor, a comunidade escolar precisa se sentir responsável por aquele espaço. A abertura ao diálogo é o primeiro passo para que essas condições se estabeleçam.

Um dos primeiros passos é o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. É um documento válido por quatro anos, que precisa ser escrito e pensado por todos. Ali estará o compromisso da escola, atividades pedagógicas, projetos, calendário escolar. A definição da estrutura curricular também faz parte, por isso é tão essencial que os conselhos participem.

Dentro dos conselhos escolares, estudantes e educadores são convidados a opinar sobre decisões que lhes dizem respeito na escola. O diretor ainda continuará com a decisão final, mas contará com a contribuição muito necessária das vivências dos outros agentes. As eleições para diretores, que muitas vezes ainda são feitas por indicação política e não através de votação, também fazem parte da alçada dos conselhos.

Claro que apenas eleições e essas participações não resolvem o problema da escola, mas abrem espaço para a solução mais efetiva: o compromisso da comunidade escolar com a educação de qualidade para crianças e jovens.

Qual é a diferença entre distribuir a liderança em uma gestão democrática e delegar tarefas?
Márcia Portela: A delegação de tarefas não passa de cumprimento de uma ordem. As pessoas, nesse tipo de gestão, sentem que as ideias não partiram delas, e, portanto não pertencem a elas, não as representam. Só pedir para que alguém faça algo é muito diferente de conquistar o compromisso desse indivíduo para um projeto maior de escola.

Apostar nessa forma mais compartilhada de gestão significa diminuir a autoridade do diretor?
Márcia Portela: De forma alguma. Autoridade é algo que você conquista com diálogo, sentar na cadeira é só o primeiro passo. Existe também um vínculo de confiança entre aquele diretor e a comunidade, que precisa ser trabalhado com equilíbrio, para que todas as necessidades sejam ouvidas e atendidas na medida do possível. Sem prejudicar o maior compromisso dessa autoridade: o desenvolvimento dos estudantes.

O que é importante, do ponto de vista dos agentes da escola, para garantir uma liderança distribuída efetiva?
Márcia Portela: Diálogo. E nós sabemos que dialogar não é a coisa mais fácil do mundo! Dentro de um processo democrático muitas vezes as minhas ideias não serão as escolhidas por todos, por isso ter tolerância, saber conversar, concordar e discordar é importantíssimo para que esse diálogo aconteça.

Os estudantes também podem assumir lideranças na escola e como isso pode ser feito?
Márcia Portela: Claro, e é um direito que eles têm, garantido pela constituição. É preciso ter respeito à realidade e à vivência do estudante. Eles esperam mais da gente, mais qualidade, mais criatividade. Podem assumir a liderança através dos grêmios estudantis, que representam a voz dos estudantes. Um diretor comprometido tem o grêmio como aliado. Ele não está em sala de aula o tempo todo, por isso precisa ouvir sobre o que acontece lá.

Existem também as lideranças de turma, onde um representante é escolhido e pode fazer parte dos conselhos, da elaboração do PPP e opinar diretamente para o diretor e coordenador. Além disso, as avaliações institucionais também são muito potentes. Hoje com ferramentas como Formulários do Google é possível mobilizar todos os estudantes para avaliar a instituição. A partir desses apontamentos, o diretor saberá quais melhorias deve priorizar.

Texto publicado originalmente na Fundação Telefônica

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