04/10/2022
Como aprendizagens como protagonismo, colaboração, autoconhecimento e empatia são ou podem ser avaliadas? É com este foco que o programa global Escolas2030 vem investigando, desde 2019, diferentes organizações educativas inovadoras espalhadas pelo Brasil. Desde então, foram muitos os achados da pesquisa-ação e mais um vem se somar a este trabalho – o Levantamento sobre avaliação em organizações educativas, que reúne dados e analisa como organizações escolares e não escolares são impactadas, compreendem e produzem avaliações.
Concluído em agosto de 2022, o relatório compila dados colhidos entre março e julho de 2022 por meio de dois questionários, um dirigido a estabelecimentos educacionais e outro a secretarias de educação de diversas partes do país e atuantes em realidades muito variadas, resultando em 74 respostas referentes a 73 organizações.
O intuito foi constituir um retrato de opiniões preponderantes sobre avaliação educacional em estabelecimentos que se empenham em adequar as suas práticas às características e necessidades de estudantes e comunidades. Isto é, que já desenvolvem práticas inovadoras na perspectiva de uma educação integral e transformadora, com experiências em diferentes estágios, ou ainda que manifestam interesse por essa perspectiva e estão se encaminhando para iniciar práticas com essa orientação. A expectativa é que as informações contidas no relatório possam subsidiar o debate sobre políticas públicas no processo eleitoral brasileiro deste ano.
O levantamento diferencia dois tipos de avaliação: as externas (Prova Brasil, ANA, sistemas estaduais e municipais de avaliação, PISA, Enem e Ideb) e as internas (avaliações próprias das organizações educativas). Nesta lógica, inicia-se por meio de uma análise sobre estes dados e, em seguida, propõe uma reflexão destas informações em relação com as respostas.
Entre as conclusões, aparece que prepondera uma opinião positiva sobre ambos os tipos de avaliação. No tocante às externas, a maioria dos respondentes revelou acreditar que a Prova Brasil, a ANA, o sistema estadual ou o sistema municipal de avaliação, o Enem e os dados do Ideb levam a identificar contribuições ao aprendizado trazidas por práticas educacionais da própria escola/organização ou por políticas educacionais que incidem nesta, levando também a verificar os seus efetivos e relevantes processos de aprendizagem.
Essa mesma proporção discorda que tais avaliações levam a reduzir o currículo da escola/organização aos conteúdos verificados nas provas ou a reduzir as suas práticas pedagógicas, priorizando-se o preparo para realizar provas.
Tais achados são, em alguma medida, surpreendentes, uma vez que esses instrumentos são frequentemente alvo de críticas. Sobre a dissociação entre senso comum e o que revela a pesquisa, o texto analisa: “As respostas resultantes deste levantamento induzem a considerar que os sistemas externos de avaliação estão nitidamente assimilados nas redes escolares e incorporados às rotinas das unidades educativas. Inclusive naquelas que se identificam com práticas inovadoras, as diferentes modalidades de avaliação externa não encontram resistências de grande monta, mesmo que pensamentos discordantes tenham figurado nos comentários registrados pelo levantamento”.
Entre as pessoas que responderam também predomina uma apreciação positiva das avaliações próprias de suas organizações educativas, as quais abarcam a aprendizagem de protagonismo, de colaboração, de autoconhecimento, de empatia e de outras diferentes dos componentes curriculares da BNCC. A maioria das respostas julga, ainda, que a elaboração dessas avaliações observa desigualdades e respeita suficientemente a situação de pandemia.
A maior proporção das respostas concorda que as avaliações próprias levam a identificar contribuições ao aprendizado trazidas por políticas educacionais que incidem na própria escola/organização, ou trazidas por suas práticas educacionais. Também concorda que tais avaliações levam a verificar os seus efetivos e relevantes processos de aprendizagem. A maioria discorda que levam a reduzir o currículo aos conteúdos verificados nas provas, ou a reduzir as práticas pedagógicas priorizando-se o preparo para realizá-las.
Sobre essa percepção majoritária, o texto analisa: “A ocorrência dessas avaliações próprias sugere a existência de um projeto educativo de significativa referência às características locais. Se as práticas confirmam as opiniões emitidas, pode-se entender que nessas escolas/organizações educativas há disposição de conhecer sua realidade para além de detectar aprendizados, recorrendo à coleta de informações empíricas.”
Embora minoritárias, também merecem destaque as proporções de respostas que consideram as avaliações externas prejudiciais por levarem a reduções curriculares e de práticas pedagógicas: Prova Brasil, sistema estadual de avaliação e sistema municipal de avaliação, pouco mais de um quarto; ANA, um quarto; Ideb, pouco mais de um quinto; PISA e Enem, um sétimo ou pouco menos de um sétimo.
Além disso, os comentários acrescentados às respostas contêm críticas às avaliações externas que não foram abordadas nas questões fechadas. Os comentários relativos às avaliações internas, por sua vez, buscam qualificar tipos e princípios, inclusive o caráter formativo da avaliação, apontando aspectos em geral ausentes ou negligenciados nas avaliações externas.
Já os registros deste levantamento indicando aspectos negativos das avaliações externas, expressam uma percepção mais intensa de incompatibilidade entre o que as unidades educativas propõem enquanto ideais formativos e essas avaliações. Tal percepção alerta para a necessidade de fomentar práticas inovadoras tanto quanto instrumentos avaliativos desenvolvidos de forma colaborativa com as unidades educacionais, em vez de meramente exógenos e mesmo impostos como meio de regulação a partir de cima.
“As respostas ao levantamento mostraram que essas organizações educativas avaliam aprendizagens para além do que fazem os sistemas oficiais. Entre suas iniciativas internas há avaliações formativas, aquelas que não apenas fornecem informações a docentes sobre o nível de aprendizado, mas que são ao mesmo tempo processos em que estudantes verificam e desenvolvem o seu aprendizado. Essas avaliações próprias abrangem também muito variadas aprendizagens, entre as quais protagonismo, colaboração, autoconhecimento e empatia”, observa Elie Ghanem, professor da Faculdade de Educação da USP e coordenador da pesquisa-ação do programa Escolas2030 no Brasil.
Para o educador, tais avaliações são formas de investigação educacional, praticadas com extremo esforço, em condições muito precárias e adversas. Em outras palavras, são exemplos do empenho de profissionais para melhorar os resultados de seu próprio trabalho.
“Não por acaso, foi desse mesmo campo de organizações orientadas para a inovação e a educação integral e transformadora que se originou o documento Recomendações para políticas públicas, como subsídio ao debate com a sociedade civil e autoridades governamentais.”
Elie se refere ao material elaborado pelo programa que reúne duas premissas para a promoção da educação integral e transformadora, escritas com base nos achados da pesquisa-ação e na experiência acumulada pelas organizações educativas escolares e não escolares participantes do programa no Brasil. Além das duas propostas, o documento apresenta os princípios orientadores das recomendações, ancorados em exemplos concretos do coletivo-pesquisador, entre outras referências.
“Essencialmente, o que se recomenda é que os órgãos responsáveis pela oferta da Educação Básica forneçam apoio técnico especializado, financeiro e institucional (particularmente horas de trabalho de profissionais) para que se elaborem e realizem projetos coletivos de pesquisa de unidades educacionais sobre suas próprias práticas”.
No mesmo sentido recomendam que esses órgãos mapeiem, apoiem e difundam na sua rede procedimentos e instrumentos de avaliação desenvolvidos pelas unidades educacionais e que focalizam aprendizagens necessárias ao pleno desenvolvimento da pessoa, coerentes com a educação integral almejada.