15/05/2020
É impossível tecer a trajetória da educação inovadora no Brasil sem narrar a história do CEU Heliópolis Professora Arlete Persoli. Localizado no bairro homônimo na zona sul da capital paulista, o Centro Educacional Unificado foi inaugurado após décadas de reivindicação e mobilização da comunidade local – lideradas pela EMEF Campos Salles e pela União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS) – por um um espaço educacional e cultural integrado ao território.
Ao articular estreitamente estas duas dimensões, o CEU tornou-se um dos pilares do entendimento de Heliópolis como bairro educador. Sua atuação em rede com outros projetos e movimentos sociais e a preocupação em ampliar os espaços e oportunidades de aprendizagem para crianças e adolescente, ao longo destes anos, colocou-o como uma referência nacional em inovação educacional e gestão democrática – aspectos estes que agora estão ameaçados.
Na terça-feira, 12 de maio, em meio à crise pandêmica de Covid-19, a Prefeitura de São Paulo exonerou a equipe de gestão do CEU Heliópolis Profª Arlete Persoli, colocando em xeque a autonomia que a comunidade local conquistou no desenvolvimento do seu projeto político pedagógico inovador desde sua fundação. A decisão também prejudicou as ações que a equipe gestora vinha desenvolvendo no combate à pandemia, fosse coordenando e abrigando as parcerias de fabricação e distribuição de máscaras ou organizando ações educacionais pela comunidade em parceria com as UBS.
“A gente ficou sabendo da exoneração pelo Diário Oficial e foi uma surpresa, pois não sabíamos que isso estava sendo articulado, ainda mais no meio dessa crise de saúde que estamos vivendo. A minha hipótese é que foi feito debaixo dos panos, em uma jogada política de projeto de poder”, opina Laila Sala, coordenadora de Ação Educacional do CEU Heliópolis e integrante da gestão desde 2013, acrescentando.
“O discurso do novo grupo que chegou é o de dar continuidade ao nosso trabalho, mas não acredito que isso seja possível por conta dessa ruptura, que foi feita de forma desrespeitosa com a história do equipamento, sem diálogo. E a marca da nossa gestão – que era compartilhada com a UNAS – era justamente o diálogo”, acrescenta a educadora.
Em nota de repúdio, a UNAS também se manifestou: “Repudiamos a ação desumana da Prefeitura de São Paulo, que não respeitou toda a história de luta e construção coletiva desse local, que é referência de educação e cultura em nosso território e é um importante centro de formação para educadores de todo o Brasil.”
A exoneração é mais um capítulo da série de reveses que a educação inovadora vem sofrendo no País. Para Braz Nogueira, que atuou como diretor da EMEF Campos Salles e teve uma participação ativa na transformação da comunidade de Heliópolis em bairro educador, a decisão intensifica o isolamento onde escolas e organizações transformadoras se encontram atualmente.
“É de se admirar as iniciativas educativas inovadoras que conseguiram sobreviver até hoje. A mudança na gestão no CEU nos causa medo porque pode significar sim o fim de um projeto. E essa educação emancipadora, que desperta a cidadania, não pode ser destruída”, comenta.
Braz compartilha ainda outro receio. “Hoje, há uma ética que nasceu em Heliópolis, baseada em três princípios da escola – autonomia, responsabilidade e solidariedade – que é compartilhada por milhares de pessoas que vivem ali. E nós podemos não ter mais a defesa desses princípios pela gestão do CEU. Isso só era possível porque tínhamos autonomia de indicar e compor essa equipe”, reitera o educador, acrescentando: “O CEU Heliópolis é um modelo educativo que inspira as pessoas, que mostra que é possível transformar socialmente e construir um sistema ético pela educação – e isso tudo está sendo ameaçado.”
Isto porque, assim como outros CEUs, o de Heliópolis é um equipamento público importante para as comunidades periféricas também pelo exemplo que desempenha de gestão democrática. Laila explica: “O CEU é um espaço de exercício da cidadania e da usufruição dos direitos. A gente pensa na questão da participação e da democracia no detalhe: a sala da gestão, por exemplo, fica no térreo porque a comunidade tem que ter acesso fácil a ela e por aí vai”.
Apesar das derrotas, a esperança se deposita no fato de que o projeto político pedagógico do CEU Heliópolis vai muito além do complexo: está presente em todo o bairro. “O CEU é um polo, uma referência de liderança que articula o bairro educador, mas há um projeto maior de desenvolvimento comunitário. Os nossos cinco princípios – que todos os tempos, espaços e experiências educam e são educados pelas pessoas; a escola como centro de liderança; autonomia; a responsabilidade e a solidariedade – não são somente a nossa prática, mas também nossa utopia. Então, estes princípios sofreram um golpe agora, mas não vão morrer porque estão presentes em todos os outros equipamentos do território”, finaliza Laila.