01/02/2019
É comum imaginar os professores como os principais atores na educação das crianças, mas para a educação integral a família também tem um papel expressivo nesse processo. Mais do que isso, a qualidade da aprendizagem, um melhor comportamento e menores índices de evasão também dependem da relação entre familiares e educadores.
A professora Belinda Mandelbaum, que coordena o Laboratório de Estudos da Família, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), explica que a aprendizagem está intimamente relacionada a quão confortável as crianças se sentem no espaço escolar. E que parte desse conforto é composto por elas se sentirem representadas, reconhecidas e terem seus lugares de origem legitimados.
“A escola deve acolher a família tanto quanto acolhe os alunos, mas por vezes ela não é suficientemente aberta às especificidades de cada configuração familiar e seus modos de lidar com as adversidades”, diz a professora Belinda.
Por parte das famílias, a professora Adriana Wagner, coordenadora do Núcleo de Pesquisa Dinâmica das Relações Familiares, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ressalta que se estas desqualificam os professores e a escola, as crianças aprendem a fazer o mesmo.
No artigo “A Relação Família-Escola sob a ótica de Professores e Pais de crianças que frequentam o Ensino Fundamental”, do qual é co-autora, Adriana investigou as percepções que familiares e professores têm um do outro. Ela explica que, em suma, uma parte responsabiliza a outra pelas dificuldades, em vez de partilhar responsabilidades.
Além disso, as famílias por vezes esperam da escola mais do que se deve, por exemplo, que os professores se responsabilizem por lembrar os alunos de levar os materiais para a aula, ou que ensinem as crianças a criar um hábito de estudo em casa.
Algumas famílias também podem demonstrar desinteresse em acompanhar os estudos dos filhos e encarar a escola como um depósito de crianças. Há ainda aquelas que não tiveram experiências escolares ou que tiveram experiências negativas, transmitindo para os filhos uma postura desconfiada e desfavorável frente a escola.
Por parte dos professores, muitos pautam suas expectativas em relação aos alunos de acordo com o entendimento que têm da família, isto é, de sua classe social, adotando uma postura de que estes pais são menos preocupados com os filhos, desinteressados ou que não possuem nada a contribuir para o currículo escolar. Essa baixa expectativa em relação às famílias reverbera nas expectativas em relação aos alunos.
“Nessa equação ainda entram as condições precárias de trabalho dos professores, que têm pouca formação continuada, trabalham com salas lotadas, e grandes cargas horárias”, diz Adriana.
A professora Belinda lança luz sobre outra questão: a escola precisa estar sensível às questões trazidas pelos alunos, mas também deve tratá-las cuidadosamente. Isso significa não tentar fazer diagnósticos precipitados. Ela conta que é muito comum quando uma criança tem dificuldades na escola culparem o fato, por exemplo, de ela ser criada pela avó e outros preconceitos.
“O diagnóstico que a escola faz impacta a maneira como a criança é vista pelos professores. E esse diagnóstico, quando feito superficialmente, ao invés de ser uma oportunidade para estabelecer diálogo, se torna uma ruptura, o que afeta a criança”, explica Belinda.
Em lugar de transferir responsabilidades e culpas, tanto em questões práticas do cotidiano escolar, quanto sobre disputas de valores e conteúdos a serem ensinados, as especialistas recomendam estabelecer diálogos e criar pontes de aproximação que permitam um trabalho conjunto em prol das crianças.
Um dos principais entraves atuais está no modelo de comunicação. Como explica a professora Adriana, as informações não chegam, porque e-mails e bilhetes na agenda não são suficientes, mas principalmente porque a família só é chamada na escola para reuniões e comemorações em que não há tempo para atenções individuais e mais cuidadosas, e quando chamam para conversas particulares, é quase sempre porque há problemas.
“Isso cria um padrão negativo, porque as famílias associam que sempre que são chamadas para conversas mais profundas é porque terão problemas. Nunca é porque os filhos são generosos, brilhantes e solidários. Isso vai afastando a família da escola”, diz Adriana.
Fazer reuniões individuais com cada família parece distante da realidade das escolas brasileiras. Contudo, a prática Plantão Pedagógico, desenvolvida no NAVE de Recife, mostrou-se uma estratégia viável e sustentável de promover encontros mais próximos entre professores e familiares.
Ela recomenda começar perguntando para as famílias todo o necessário para conhecerem a realidade daquelas pessoas, em reuniões individuais, e fazer disso uma rotina. Esses encontros também são uma boa oportunidade para explicar os conteúdos que os estudantes estão aprendendo. Essa seria uma maneira inclusive de alinhar, por exemplo, do que se trata uma aula de educação sexual.
A professora Belinda também sugere desenvolver atividades onde os alunos entrevistem as diferentes gerações da família sobre temas variados para depois discutem isso em sala, bem como promover encontros entre alunos, professores e familiares, criando um espaço para discutir temas como as juventudes, as culturas, e para que todos possam se conhecer e conversar.
Ações como estas, explica Belinda, evidenciam que as famílias são diversas e pensam de formas diferentes e que não há um só tipo legítimo de família. Além disso, possibilitam que crianças e adolescentes desenvolvam sua autonomia de pensamento, afinal, deixá-los circunscritos aos valores de seus núcleos familiares é também uma forma de violência. “E talvez nesses encontros, se dissolvam ou percebam que há menos antagonismo entre família e escola do que se está falando”, diz.
Publicado originalmente no Centro de Referências em Educação Integral