01/07/2022
Nesta quinta-feira, 30/6, ocorreu o encontro virtual “Escolas 2030: aprendendo com quem faz inovação”, parte da série de webinários “Reflexões para o mundo pós-pandemia”, promovido pela Fundação Santillana.
Comandado por André Lázaro, diretor de políticas públicas da Fundação Santillana, o evento convidou Elie Ghanem, professor da Faculdade de Educação da USP e coordenador da pesquisa-ação do programa Escolas2030 no Brasil, para falar sobre como podemos promover uma educação mais acolhedora e transformadora à luz dos efeitos da pandemia e da experiência das organizações educativas inovadoras.
Também foi oportunidade para abordar o documento Recomendações para políticas públicas – Condições para a oferta de uma educação de qualidade, elaborado pelo programa e que reúne duas premissas para a promoção da educação integral e transformadora, escritas com base nos achados da pesquisa-ação.
Para começar a conversa, André relembrou como a pandemia agravou a preocupação com a inovação educacional ao evidenciar as fragilidades de nosso sistema escolar. “Durante muito tempo, se alimentou a crença de que a inovação educacional seria uma adoção das novas tecnologias. Além disso, se imaginava que por meio delas os estudantes teriam um papel mais ativo no processo de aprendizagem. No entanto, ao longo da pandemia, essas teses foram testadas e não se confirmaram: o que se entendeu é que sem um projeto político pedagógico claro, sem a formação dos profissionais e o vínculo com os estudantes, esses equipamentos não resolvem a questão da inovação”, analisou.
Corroborando esta perspectiva, Elie ponderou: “A pandemia modificou a forma das pessoas e grupos se relacionarem e essa condição também provocou a busca de reações, alternativas, provocou a criatividade e a solidariedade. As perdas que tivemos, de todos os tipos, também foram contrapostas à criação de novas formas de relação. E educação é relação”.
Mas, afinal, o que precisa ser transformado em nossas escolas? Foi a partir deste questionamento que André Lázaro apontou retrocessos em pauta atualmente como o movimento pelo homeschooling, as escolas cívico-militares, entre outros. “O que na escola envelheceu? E qual é a parte mais preciosa que não podemos abrir mão?”, perguntou a Elie.
Para o professor da Faculdade de Educação da USP, a grande questão é que o desenho que condiciona o modelo de aprendizagem hoje não consegue mais fornecer adequação, seja às necessidades que as pessoas têm, seja à modificações de caráter tecnológico que temos assistido com cada vez mais intensidade e velocidade. “Neste sentido, aquilo que chamamos de escola é anacrônico. No entanto, ela também oferece oportunidade para formas específicas de relacionamento, o que para mim é o mais precioso, sobretudo, para as crianças. As crianças gostam da escola porque é lá que encontram outras crianças”, respondeu.
A conversa seguiu versando sobre o documento Recomendações para políticas públicas – Condições para a oferta de uma educação de qualidade. Como primeira recomendação, o texto traz: “O Ministério da Educação e as Secretarias responsáveis pela oferta da educação básica devem subsidiar com apoio técnico especializado, financeiro e institucional (particularmente horas de trabalho de profissionais) a elaboração e realização de projetos de pesquisa de unidades educacionais sobre suas próprias práticas, a fim de que as pessoas que as protagonizam exerçam igualmente a reflexão sobre o que fazem. Tais medidas devem considerar as especificidades de crianças, jovens e adultas/os na produção coletiva de conhecimento que subsidie as atividades educacionais e processos de avaliação”.
Para justificar esta proposição, Elie retomou o caráter do programa. “O Escolas2030 é um programa de pesquisa-ação, isto é, de “fazer pesquisando” e “pesquisar fazendo”. Então é uma intervenção para a melhoria daquilo que se prioriza. No caso de escolas e outras organizações educativas, dos trabalhos educacionais. Em geral, quem é docente faz isso: está constantemente agindo e pensando sobre aquilo que dá certo, aquilo onde há dificuldade. Então a atividade docente é uma atividade de investigação”, explicou.
No entanto, segundo o professor, o que ocorre é que dificilmente esta ação acontece de forma sistemática e coletiva já que as condições são, via de regra, adversas. “Da maneira como as coisas estão organizadas, não há condições para que este trabalho tenha tempo e elementos para ser objeto de uma reflexão sistemática e coletiva. Então, para mudar esse quadro, é preciso modificar a jornada, dar tempo, não conceber o trabalho do professor apenas como o tempo em que ele está dando aula”, continuou.
Outro fator problemático é que, frequentemente, as pesquisas sobre as práticas docentes são promovidas pelas universidades e não pelos próprios professores da Educação Básica. “Se queremos aperfeiçoar as práticas educacionais é preciso que o próprio magistério tenha condições para ser o sujeito de sua reflexão e produção de conhecimento e isso requer condições e investimento. As escolas do programa Escolas2030 têm procurado alternativas para criar essas condições e em situações muito adversas. Aquilo que elas têm feito poderia ser muito melhor com apoio do poder público”, defendeu.
O papo seguiu para segunda recomendação, que explicita: “As secretarias responsáveis pela oferta da educação básica devem mapear, apoiar e difundir na sua rede procedimentos e instrumentos de avaliação desenvolvidos pelas unidades educacionais que consideram as especificidades de crianças, jovens e adultos/as e abrangem aprendizagens necessárias ao pleno desenvolvimento da pessoa, como empatia, colaboração, autoconhecimento, criatividade e protagonismo. A difusão destes procedimentos e instrumentos deve se fazer acompanhar por processos de formação contínua para a sua qualificada implementação.”
Sobre esta questão da avaliação, André comentou: “Ainda hoje o que se avalia na educação são resultados de fluxos de aprendizagem, que são notas nas provas padronizadas e a progressão do ano. O sucesso escolar é visto como resultado dessas duas variáveis.” A partir desta contestação, o especialista indagou: “Quais são os conceitos e referências para que a reflexão sobre as práticas gere sistematização e políticas? Como contribuímos para que o saber docente ganhe essa força autorreflexiva?”
Para responder a pergunta, Elie lembrou que há um paradoxo: se há consenso sobre a importância do professorado para a qualidade da educação, há também um desprezo sobre o saber docente. “No entanto, o magistério tem exercitado esse saber, inclusive, no que diz respeito à avaliação. E isso difere muito das prioridades dos sistemas de avaliação externa, que são focalizados, reduzidos”, disse Elie. “Eu não poderia dizer quais são as balizas conceituais de todos os professores, mas o que posso indicar é que são variadas e não coincidem com os parâmetros dos sistemas de avaliação externa instituídos.”
Com o documento, o objetivo principal do programa é incidir no debate público sobre educação que, em grande medida, é permeado por questões sobre eficiência de sistemas educacionais. A ideia é que as Recomendações possam subsidiar um debate mais amplo com a sociedade civil e autoridades do poder público uma vez que os compromissos do programa trazem uma visão avançada de qualidade educacional, tema nevrálgico para propostas eleitorais e políticas públicas