A melhor forma de estimular a comunidade, segundo o diretor, é convidá-la a fazer parte do projeto pedagógico desenvolvido na escola de maneira ativa. Para isso, a escola reúne os pais dos alunos e escolhe o tema a ser trabalhado durante o semestre ou ano letivo.
“Associamos esse tema ao sistema de ensino regular e isso faz com que os pais fiquem mais felizes porque eles veem que os conhecimentos tradicionais não ficam esquecidos”, garante Raimundo.
Para que a prática seja mais interativa, familiares são convidados a acompanhar os filhos no processo de ensino-aprendizagem. São abertos espaços para que eles compartilhem seus conhecimentos sobre a língua e demais temas como músicas, alimentação, formas de pescar e de plantar.
A educação Kambeba
Atualmente, existem cinco comunidades Kambebas no Brasil, além de algumas outras no Peru. O primeiro registro foi feito pelo padre Samuel Fritz no século XVII, mas o povo já habitava as terras brasileiras antes disso. Os processos de colonização fizeram com que, na década de 1970, os Kambebas fossem considerados extintos.
A partir dos anos 80 o movimento indígena ganhou força e esse cenário mudou. Assim, nasceu a comunidade Três Unidos, pioneira no trabalho de revitalização da língua e da cultura Kambeba por meio da educação. Com o crescimento da comunidade, em 1993, havia mais de 30 crianças e surgiu a necessidade de alfabetizá-las e instruí-las, mas não havia escola ou professores.
A comunidade se mobilizou e construiu um espaço com 50 metros quadrados, feito de madeira, com duas salas de aula. Em 2013, após diversas mobilizações, a prefeitura de Manaus construiu uma nova sede com salas de aula, banheiros, cozinha, merendeira, telecentro e todo o aparato necessário para educar as crianças da região.
O que é garantido por lei
Estima-se que no Brasil existam 3.085 escolas indígenas com um total de 285 mil estudantes e 20 mil professores, que atendem cerca de 305 etnias e falam 274 línguas diferentes. Esses dados pertencem ao Censo Escolar de 2015, última pesquisa realizada no país para mapear esse tipo de instituição.
A nomenclatura indígena abrange grupos diversos, com diferentes valores, hábitos e crenças. Uma escola com essa temática precisa equilibrar elementos do currículo nacional com as especificidades da cultura na qual está inserida.
De acordo com a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a coordenação nacional das políticas de Educação Escolar Indígena é de competência do Ministério da Educação (MEC), cabendo aos Estados e Municípios a execução para a garantia deste direito aos povos indígenas. Eles têm direito a uma educação escolar específica, diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária, conforme define a legislação nacional. Isso quer dizer que a educação indígena está inserida no sistema nacional, mas respeita a diversidade e as especificidades das culturas dos povos nativos.
Escola Indígena na prática
O desafio de alinhar o currículo tradicional com a pedagogia Kambeba é uma constante no dia a dia da escola. “Preparamos os alunos tanto para viver aqui na aldeia quanto em qualquer lugar do mundo, fazendo com que as crianças tenham acesso a uma educação intercultural e orgulho de ser indígena”, afirma Raimundo.
As matérias tradicionais são encaixadas na pedagogia Kambeba na sala de aula. Pensando nisso, são desenvolvidos projetos pedagógicos como contação de histórias que falam sobre o Boto, a Mãe do Mato, Curupira e outras crenças regionais. Além disso, são trabalhados os conhecimentos de utensílios de caça, pesca e plantas medicinais. O arco e flecha, por exemplo, foi um dos destaques na escola. Alguns alunos entraram em um projeto e, no final, acabaram fazendo parte da Seleção Brasileira de Arco e Flecha. “Diziam que seriam necessários oito anos de prática para atingirem esse nível, e em oito meses eles chegaram lá”, comenta Raimundo.
Para suprir a falta de material didático, os educadores são estimulados a se tornarem pesquisadores da cultura. Eles conversam com as pessoas mais velhas, estudam a língua e depois levam esse conhecimento adquirido e sistematizado para a sala de aula em forma de conteúdo.
Tecnologia como aliada
Mário dos Santos Cruz é professor do Ensino Fundamental I da Escola Indígena Municipal Kanata T-Ykua e conhece bem a rotina dos alunos. Ele estudou na escola quando criança e hoje faz uma especialização em educação indígena na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Atualmente, escreve um trabalho sobre as memórias do povo e como isso interfere na identidade.
A escola integra desde 2018 a rede de instituições que recebem o projeto Aula Digital, uma iniciativa do ProFuturo, programa de educação global da Fundação Telefônica e Fundação “la Caixa”, que visa criar melhores oportunidades para crianças, jovens e educadores, incorporando a inovação nas escolas por meio da tecnologia e de novas metodologias de ensino e aprendizagem que promovam o desenvolvimento das competências do século XXI.
“Os materiais da plataforma do Profuturo são muito ricos em conteúdo. O avanço foi muito significativo em todas as áreas temáticas”, conta Raimundo. “A tecnologia expande os conhecimentos da nossa cultura para outros povos indígenas, para pessoas que não são indígenas e para mais escolas trabalharem o tema. Ter um espaço para deixar toda essa pesquisa e criação registrada e sistematizada é fundamental”, acrescenta.
Como a plataforma permite que os professores elaborarem suas aulas e armazenem materiais de forma organizada, os conteúdos podem ser arquivados para o futuro, facilitando a transmissão dos conhecimentos tradicionais da educação indígena de geração para geração.
Texto publicado originalmente no site da Fundação Telefônica Vivo