São diversas as pesquisas que circulam hoje com enfoque na questão dos transtornos na saúde mental da juventude agravados pela pandemia. A pesquisa ConVid, por exemplo, realizada pela Fiocruz em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Estadual de Campinas mostra que quase metade (48,7%) dos jovens brasileiros ficaram mais ansiosos, nervosos e de mau humor desde o surto de Covid-19. O levantamento também aponta que problemas com sono e episódios de tristeza tornaram-se mais comuns entre esta parcela da população.
Mas ainda antes da chegada da pandemia, Mariana Gomes, 17 anos, moradora de Conceição do Almeida, localizado no Recôncavo baiano, já se debruçava sobre esta problemática. Tendo percebido como os estudantes sofriam com diferentes angústias, como participante do Parlamento Jovem Brasileiro ela – com apenas 14 anos – passou a pesquisar e construir projetos de lei para a área. “Quando saí do Parlamento, trouxe comigo um network e o conhecimento para fundar algo aqui na minha região.”
Assim nasceu, no início de 2020, a “Rede Autoestima-se”, que hoje articula 38 voluntários de diferentes regiões, idades e formações com o intuito de conscientizar, gerar conteúdo e democratizar o acesso gratuito a atendimentos psicológicos e práticas terapêuticas holísticas como meditação e ioga.
Com a pandemia, a rede se organizou para dividir-se entre o presencial e o virtual. “Hoje, 96% dos nossos atendimentos são remotos. Temos recebido um público mais jovem, sobretudo, feminino, com relatos que vão desde problemas com ansiedade até situações de violência”, relata Mariana.
Para ela, outro ponto que tem ficado cada vez mais claro é a necessidade do olhar intersetorial para os atuais desafios. “Quando me refiro à necessidade de cuidar da saúde mental, falo tanto do corpo dicente como docente. O baque foi forte e o acolhimento dentro das escolas será essencial. Quando os professores reencontrarem seus alunos irão precisar destas alianças”, diz.
A preocupação com a saúde de adolescentes e jovens também foi a força motriz para que Aisha Ellen Lemos Paz, 17 anos, de Fortaleza (CE), buscasse articulações para colocar de pé o projeto “De Mãos Dadas”, que compartilha informação e formação sobre educação sexual e empoderamento feminino.
“Trabalho com empreendedorismo social desde os 14 anos e sempre tive na minha cabeça que faltava algo. Então mergulhei na minha história e vi a dificuldade que foi a experiência da minha mãe com sua gravidez na adolescência. Então ficou claro que eu queria ajudar outras meninas com isso”, conta a estudante do Ensino Médio Integrado ao Técnico em Enfermagem na Escola Estadual EP Paulo VI.
O projeto entrou em prática no Dia da Mulher, em 8 de março de 2020, e evidenciou como as jovens mulheres careciam de informação sobre o tema. “Há um tabu tão grande em torno do corpo feminino que muitas não sabem nem como nomear o que estão sentindo para o profissional de saúde.”
Por esse motivo, uma das frentes criadas foi o “Disk Amiga”, por meio da qual meninas podem enviar suas dúvidas de forma sigilosa para o Instagran do projeto e estas são respondidas no feed para que possam elucidas questões também de outras jovens. “Muitas dúvidas são sobre distúrbios ginecológicos e contamos com quatro acadêmicos em Enfermagem para respondê-las. A gente percebe que a falta de conversa sobre o corpo feminino entre as famílias, nas escolas, faz com que muitas não compreendam seu próprio funcionamento. E como elas podem se sentir livres para usarem seus corpos se não os compreendem?”, indaga Aisha.
Outras ações do projeto são o “Bruxas da Resistência”, que discute feminismo negro, e o Clube do Livro, que irá a partir de março comentar e resenhar obras, conectando ainda mais a meninas envolvidas. “Hoje somos 15 meninas por trás do De Mãos Dadas e é muito emocionante estar construindo tudo isso, trazendo um tema tão importante para o debate.”