Que barreiras e oportunidades as juventudes da Amazônia têm encontrado para engajar vários agentes sociais em prol da justiça climática? Foi a pergunta que guiou o Mapeamento Juventudes e Justiça Climática na Amazônia, realizado pela Ashoka, com o apoio da Climate and Land Use Alliance (CLUA), por meio da parceria que reconhece e estimula ações de Jovens Transformadores pelo Clima.
O Mapeamento é um estudo qualitativo, feito por meio de oficinas e entrevistas em profundidade, com um universo de 45 líderes na área ambiental na Amazônia, na maioria jovens, que já trabalham coletivamente no enfrentamento das mudanças climáticas.
Os resultados mostram que o termo Justiça Climática está em processo de apropriação na Amazônia. Se por um lado, os participantes do estudo associam o termo a espaços de negociações da política climática global, tendo um caráter importado, por outro lado, a adição da justiça ao desafio das mudanças climáticas preenche uma lacuna que o aquecimento global ou a conservação não davam conta. “Justiça Climática combina a dimensão ambiental aos direitos humanos, manifestando as desigualdades sociais e reconhecendo os impactos desproporcionais que a crise climática representa para os povos da floresta, os que dependem do extrativismo e agricultura familiar e para as pessoas que vivem em situação de pobreza nas cidades”, relata Andrea Margit, líder da Comunicação e Novos Paradigmas da Ashoka.
O Mapeamento permitiu identificar dois tipos de padrões: os Princípios seguidos pelos jovens para engajar atores estratégicos em favor da justiça climática e as Barreiras com as quais os jovens se deparam com mais frequência para comprometer seis grupos-chave: Poder Público, Sociedade Civil Organizada, Escolas, Universidades, Empresas e Mídia.
Poder público e Organizações da Sociedade Civil: Para vencer a atuação fragmentada das organizações da sociedade civil e os interesses de curto prazo dos governos, ambos apontados como barreiras para trabalhar com esses grupos por justiça climática – as juventudes vêm se organizando em núcleos autônomos liderados por jovens, conectados por todo país.
“É comum que esses grupos sejam fomentados por organizações fundadas e dirigidas por jovens, como o Engajamundo, o Projeto Saúde e Alegria e o Nossas”, comenta Rafael Murta, diretor da Ashoka para Comunidades e Territórios Transformadores e um dos pesquisadores responsáveis pelo Mapeamento. A população do Norte do país tem uma forte dependência do poder público, seja pelo emprego, seja pelas políticas públicas de serviços e assistência social. “Portanto, estratégias para que os jovens da Amazônia possam reconhecer seu potencial transformador e se engajar em iniciativas para o bem comum, inclusive pela justiça climática, passam necessariamente por articulações com o poder público,” diz Murta.
As entrevistas revelam ainda que, para os jovens, os Interesses de curto prazo dos representantes no poder público dificultam o diálogo e ações pragmáticas de proteção da Amazônia. Essa percepção tem levado cada vez mais jovens a buscar representatividade na disputa eleitoral, apoiados por organizações da sociedade civil como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que recentemente lançou uma Bancada Indígena, com 30 candidaturas, com maioria concentrada nos Estados da Amazônia Legal. Para Bitaté Uru Eu Wau Wau, que participou do estudo, “o poder público deve ser o primeiro a defender a floresta, porque é um patrimônio e um direito de todos. A gente já tem um país rico no qual existem muitas possibilidades de preservar a floresta e manter a saúde da economia.”
Escolas e Universidades: Uma barreira recorrente na fala dos entrevistados é a “padronização” da educação, que ignora as especificidades dos territórios amazônicos. Escolas e universidades na região vivem um paradoxo: estão numa das regiões mais ricas e diversas do mundo, entretanto, empurram aos estudantes um conhecimento que vem de fora, negligenciando os saberes construídos historicamente no contato com a floresta, oriundos dos povos originários e tradicionais. “Dentre as inovações metodológicas capturadas pelo Mapeamento estão o estímulo a diferentes formas de interação extraclasse e extramuros, por meio de projetos, pesquisa e extensão como um caminho para superar o modelo universal de educação, distante da realidade amazônica”, explica Helena Singer, líder da estratégia de juventude na Ashoka.
O Movimento Indígena do Baixo Tapajós e o Coletivo Jovem Tapajônico trabalham com as juventudes indígena, quilombola e ribeirinha para valorizar o notório saber das comunidades e incluí-lo na formação escolar. “Quando crianças e jovens veem que a escola integra os saberes da comunidade, principalmente no ensino fundamental e médio dentro das aldeias, eles passam a ver que aquilo que a gente tanto trabalha para preservar como algo muito importante. Então, eles passam a entrar em cena, pois quando chegam na universidade, já têm essa luta na mente: da proteção territorial, da defesa dos direitos e da sabedoria dos povos indígenas”, fala Ednei Arapiun, Jovem Transformador pela Democracia e coordenador do Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns,
Mídia: É na produção e distribuição de conteúdos que o Mapeamento registrou o maior volume de inovações por parte das juventudes amazônidas. Os jovens manifestam especial apreço pelos sistemas de comunicação que têm maior capilaridade e qualificação para comunicar com o amazônica numa linguagem acessível e contextualizada, com potencial de garantir a resiliência comunitária em momentos de crise, como as rádios que emitem alertas e fazem denúncias ou as agências de notícias locais, como a Amazônia Real, que faz jornalismo investigativo e tem agilidade para propagar informações além das fronteiras da região. Apesar da deficitária infraestrutura e limitado acesso à internet, a vontade de experimentar novas técnicas e narrativas abre caminhos para os jovens fazerem comunicação “do seu jeito”.
Assim, foram surgindo várias inovações na forma de comunicar, lideradas por jovens e apoiadas por organizações da sociedade civil, como o podcast Copiô, Parente, do Instituto Socioambiental (ISA), que discute como decisões tomadas em Brasília têm implicações na vida dos povos da floresta, ou o programa de rádio Rios de Saberes, da Escola d’Água, idealizado pelo Instituto Mureru Eco Amazônia, que traz conteúdos ambientais para o público jovem. Nessas iniciativas, a prática da comunicação aparece como uma metodologia de educação integral e transformadora, que estimula os jovens a problematizarem a realidade com autonomia e a aprenderem com o debate, quase sempre à frente da produção dos conteúdos.
Empresas: Por outro lado, o estudo encontrou grandes lacunas de inovação nas interações entre as juventudes amazônicas e as empresas. O sentimento predominante é de uma relação desigual que evoca prudência dentre os jovens. Eventuais participações dos jovens em conversas ou atividades corporativas passam à margem da responsabilidade empresarial com relação ao bem-estar da população impactada por suas atividades. Para as juventudes, enquanto não houver transparência nos processos e objetivos empresariais, vai-se continuar reforçando a lógica do desenvolvimento econômico a partir de práticas predatórias que agravam a crise climática. Porém, os participantes do Mapeamento demonstram interesse em colaborar com empresas que zelam pelo desenvolvimento local e por uma interação saudável com a floresta.
Segundo Helena Singer, os responsáveis pelo estudo esperam que os achados apontem caminhos para que os vários atores sociais apoiem a proatividade dos jovens amazônidas na defesa das florestas e em favor da justiça climática. “Para nós que somos educadores e membros de organizações da sociedade civil, cabe dialogar com a transversalidade das lutas das juventudes. Hoje, a justiça climática é atravessada pela equidade de gênero, de raça e pela defesa da democracia. Compartimentalização é coisa do passado. Justiça climática é uma questão sistêmica.”
Leia o Mapeamento e Justiça Climática na íntegra, acessando aqui!