19/07/2021
Por José Pacheco
São Bernardo do Campo, 8 de julho de 2041
Neste mesmo dia, mas de há vinte anos, se comemorava o centenário de uma figura ímpar, um dos mais importantes pensadores contemporâneos. Da sua origem se sabe ser filho de pais judeus sefarditas emigrantes na França. Órfão de mãe, na idade de dez anos, o luto lhe moldou um caráter entre a inquietude mental e uma inquestionável esperança. Edgar Morin viveu entre a dúvida sistemática e a abertura ao indizível. Assim se assumia:
“Senti-me sempre chamado a construir um pensamento que me permitisse reconhecer e acolher as contradições, lá, onde o pensamento dito normal não vê senão alternativas, e a descobrir as minhas verdades em pensadores que se nutrem de contradições.”
Na década de noventa, rumei a Paris, para escutar o “autodidata” Morin. Incansável criador, eram diversificadas as suas referências: Tolstoi, Jesus, Lao Tsé, Pascal… Não surpreende, pois, que uma marcada transdisciplinaridade o conduzisse ao cerne de uma prodigiosa produção científica e à noção de “complexidade”. Morin evoca a unidade complexa. Se a necessidade de organização tende a transformar a diversidade em unidade, não anula a diversidade. Se o paradigma funcionalista sublinha a dependência do indivíduo relativamente ao grupo, numa perspectiva de conflito é preciso realçar a interdependência entre indivíduo e grupo, as interações no interior do grupo, bem como as transformações que impelem a novas formas de pensamento e de ação. É preciso associar ao conceito de pensamento divergente o de complexidade, levar em linha de conta as complementaridades, os antagonismos, as tensões.
Num mundo em que imperavam princípios de disjunção, de redução – aquilo que Morin designava de “paradigma da simplificação” – um pensamento simplificador impedia a conjunção do uno e do múltiplo, anulava a diversidade. O futuro nos obrigava a aprender a pensar dialogicamente:
“O humano faz parte da vida e a vida faz parte do humano; o humano integra o mundo físico e este, por sua vez, o integra; o humano é indissociável da história do cosmos e esta não se conta sem o humano.”
Nos idos de vinte, o centenário Edgar manifestava perplexidade:
“A sociedade produz a escola, que produz a sociedade. Desde logo, como reformar a escola, se não se reforma a sociedade? Mas, como reformar a sociedade, se não se reforma a escola?”
A geração 5.0 se confrontava com escolas 1.0. Aceleradas mudanças sociais e a inovação tecnológica exigiam que se reconhecesse a necessidade de operar rupturas paradigmáticas no campo da educação, uma ruptura decorrente de uma decisão ética. E o Mestre Morin nos dizia que o ato ético era um ato de religação “com o outro, com os seus, com a comunidade, e uma inserção na religação cósmica”.
No dia oito de julho de dois mil e vinte e um, Edgar Morin completava cem anos de viagem à volta do sol. Um mês antes, lançava mais um livro: “Leçons d’um siècle de vie”. Seriam muitas as lições. Saborosa foi a leitura de uma das últimas obras desse mestre, que nos falava da necessidade de uma metamorfose, de uma reforma moral, lograda através de profundas mudanças no modo de educar e numa economia ecológica e solidária.
Nesse mesmo dia do julho de há vinte anos, fui com a minha amiga Edilene até Ubatuba, ajudar educadores solidários a retomar projetos há dez anos suspensos. A Lilian havia desistido do Araribá e até de ser professora. A Rose se mudara para Campinas. A Teca se aposentara e a Madre Glória ficara órfã de generosidade. A Neia abalara para outras paragens, a sul do trópico. Mas, novos e atuantes educadores surgiam, celebrando Morin.