10/11/2020
Por José Pacheco
São João da Ponte, 4 de novembro de 2040
Entre o aparecimento da lousa de ardósia e o da lousa digital distam séculos. Nesse longo hiato, a escola, pouco, ou mesmo nada mudou. Apenas terá mudado o tipo de material utilizado na fabricação da lousa.
No final do século XX, jovens internautas comunicavam com outros, pediam e prestavam ajuda, em chats, emails, e múltiplas plataformas digitais. Nesse tempo, importavava mais que fosse o aluno a esforçar-se, para descobrir e recriar realidades, do que uma “realidade” ser comunicada por um professor. E quantos jovens comunicavam com os professores, através da internet?
Num tempo em que a prática da escrita da letra cursiva ia perdendo sentido, muitos docentes ainda obrigavam os seus alunos a um gasto significativo do tempo escolar no exercitar da letra cursiva, para que – segundo afirmavam – os seus alunos tivessem “uma caligrafia perfeita”. Talvez se inspirassem em Steve Jobs, que, quando passou pela universidade, apenas quis aprender… caligrafia.
E, nos jardins de infância, precocemente se escolarizava a infância, instituindo rotinas, nas quais todas as crianças deveriam começar a dormir ao mesmo tempo, ainda que não tivessem sono. No último reduto da transmissão de informação, os professores arriscavam-se a ser uma espécie em vias de extinção.
“A carreira dos professores “conteudistas” está por um fio! – disse-me a Ely. Contou-me que o “professor Google” lhe ensinava quase tudo. Nos seus sessenta e muitos anos, a aposentada Ely continuava a aprender. Achou um site em inglês com uma animação interativa do efeito do sal nas moléculas de água. Interessou-se pelo assunto. O “professor Google” traduziu o texto, com perfeição, do inglês para o português. E a Ely pode experienciar como era a reação da água ao sal, nas temperaturas que colocava no site. Entendeu uma das complexas propriedades coligativas da química. Mas continuou sem compreender por que razão teve de ouvir aula sobre raiz quadrada, se, ao logo da sua vida (e da dos outros), jamais precisou de usar tal raiz.
Encontrei um princípio de resposta, quando, no chão de uma escola particular e no dealbar deste século, deparei com a prática da chamada webquest. Um professor universitário estadunidense havia criado uma proposta metodológica, “para usar a internet de maneira investigativa e criativa” (sic). Nos primeiros dias da World Wide Web, esse especialista em Design e Tecnologia desenvolveu uma estrutura, “para envolver os alunos com material baseado na web”. Muitas décadas atrás, mais ou menos, nestes termos a “invenção” se definia:
“Grandes cursos mistos visam identificar alunos que estão ficando para trás e desenvolver intervenções que os trarão de volta aos trilhos (…) convertendo seus cursos para entrega online”.
Embora fosse, pedagógica e antropologicamente, uma iniciativa ingênua, a webquest era uma meritória tentativa de melhoria das aprendizagens. Nunca duvidei da boa vontade e honestidade intelectual do criador, mas a criatura constituiu-se num modelo precursor da passagem da aula presencial para a aula dada na Internet, disfarçada de “aprendizagem”.
Essa “inovação” não contribuiu para o “canto do cisne” da escola da aula – foi o anúncio de uma nova praga educacional. Em 2020, muitas escolas particulares faliram e a administração escolar incorria no crime de abandono intelectual de muitos alunos da escola “pública”. A Internet foi inundada de produtos sucedâneos da webquest e a pandemia abriu caminho para áulicos e marqueteiros enriquecerem num “making money online”.