24/10/2023

Cultura digital e educação

Por Helena Singer

Cultura Digital e Educação é livro organizado por Carlota Boto e lançado este semestre pela editora Contexto no qual tenho a alegria de contribuir. O livro traz 15 artigos elaborados a partir de seminário realizado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, em 2022, para reflexões sobre os desafios e as perspectivas pós-pandemia para o campo da educação. O livro faz contribuição muito relevante para refletirmos sobre o momento histórico, colocando em perspectiva a experiência coletiva da pandemia e as mudanças paradigmáticas em curso. Os diferentes olhares da história, pedagogia, psicologia e sociologia produzem uma reflexão qualificada sobre as diversas dimensões da temática.

Maria Lucia Garcia Pallares-Burke coloca em perspectiva histórica a luta contra a desinformação e as lições aprendidas em outras pandemias, para questionar sobre o papel da educação no enfrentamento aos desafios colocados. Contribuindo para a perspectiva histórica, Roger Chartier analisa a pandemia em relação às transformações dos hábitos de leitura e das práticas culturais ao longo das gerações, do desenvolvimento tecnológico e das políticas públicas. Anne Marie Chartier segue a mesma linha, focando as lentes nos impactos da pandemia sobre a cultura escrita e o mundo digital na escola.

Cynthia Greive Veiga complementa a análise histórica, remetendo à invenção da prensa no século XV para observar como o mundo digital se fortaleceu como novo modus operandi durante a pandemia, refletir sobre sua própria experiência na escrita de um livro no período e questionar sobre o potencial do meio digital para reforçar ou romper com a consagração da escrita como fonte de uma razão histórica única universalizada.

Minha contribuição foi na análise das muitas aprendizagens coletivas e inovações produzidas no período em contraposição ao discurso das perdas de aprendizagem e da urgência de se retomar as velhas ferramentas e abordagens para recuperar o tempo. Com base em diversas pesquisas produzidas no período, procurei mostrar como na educação, a experiência da pandemia pode alavancar a transformação no sentido da democracia e solidariedade. Vivian Batista da Silva e Ingrid Ambrogi também trataram das transformações vivenciadas na educação básica no período, a partir de suas próprias experiências e pesquisas.

Outros autores refletiram sobre suas experiências pessoais no ensino superior. Natália Gil relatou como ao longo da pandemia ela e os colegas passaram a trabalhar em colaboração, diversificaram os recursos didáticos e os meios de comunicação, aprenderam sobre acessibilidade e ampliaram o alcance dos conteúdos produzidos. A partir desta experiência, Natália faz importantes reflexões sobre o movimento Ciência Aberta e as interlocuções entre ensino, pesquisa e extensão. Marcos Garcia Neira faz um precioso relato de seu processo de aprendizagem como professor universitário, passando da frustração com tentativas fracassadas de manutenção do velho formato até a incorporação das possibilidades construídas na emergência em um novo modo de exercer seu ofício, com recursos que o tornam mais dinâmico, flexível e inclusivo, fortalecem a participação qualificada dos estudantes, a valorização de seus saberes e o a circulação de diferentes conhecimentos.

Contribuindo para a reflexão sobre a necessária transformação social, Elie Ghanem traz uma nova abordagem para a qualidade da educação, argumentado pela democracia como principal critério. Democracia em sentido ampliado, que inclui as dimensões da liberdade, igualdade e cidadania, e que demanda o questionamento do modelo escolar concebido como máquina de transmissão e ambiente apartado da realidade social.

Estes e outros artigos de Tiago Almeira, Carlota Boto, Ana Laura Lima, Leandro de Lajonquière, Francisco Peixoto, José Castro Silva, Patrícia Tavares Rafaiani, Diana Vidal, Jorge Ramos Ó, Rita de Cássia Galllego e Julio Aquino compõem um conjunto que não traz uma visão única, mas que possibilita reconhecer as contradições de um momento crítico que foi simultaneamente de urgência e suspensão, de aceleração e paralisação. Momento crítico que pode dar lugar à aceleração dos autoritarismos e da degradação socioambiental, ou à alavancagem de uma nova ordem mundial, mais solidária, inclusiva e democrática. A depender de como nos organizaremos a partir das aprendizagens produzidas no período.

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