06/07/2020
Por José Pacheco
Cova da Piedade, 1 de julho de 2040
Foi um início de julho triste, de notícias desanimadoras. O Brasil perdera sessenta mil almas para a Covid-19 e era epicentro da pandemia. Irresponsáveis declarações de políticos davam origem a uma flexibilização precoce do isolamento social, contribuindo para acelerar a contaminação. Irresponsáveis comunicados da administração educacional anunciavam o regresso à sala de aula.
Na contramão desses desvarios, educadores cônscios preparavam o regresso ao futuro da educação, trocando a ensinagem remota pela aprendizagem na proximidade física e virtual.
Vinte anos antes, o Rubem publicara “A Escola Com Que Sempre Sonhei”, um apelo à humanização do ato de educar: “Quero uma escola que compreenda como os saberes são gerados e nascem”. Em julho de 2020, houve quem colocasse essa intenção em ato, conspirando. Farei a memória desses dias.
Quinze anos antes, preparando o regresso ao futuro da educação anunciado pelo Rubem, pela Nise, pelo Anísio e outros mestres ilustres, os Românticos Conspiradores aprovaram uma “declaração de princípios”: Somos pessoas conscientes de que os modelos educacionais e as práticas educativas possuem decisivas condicionantes socioculturais. Este fato exige que, para a transformação da Educação, tenhamos de ultrapassar seu âmbito restrito, englobando as dimensões sociais, políticas e culturais.
Temos a convicção de que a educação atualmente praticada não contribui para que as gerações futuras tenham condição de superar os cruciais desafios postos para e pela humanidade. Mais do que isso, essa educação acaba por incentivar a formação de pessoas que tendem a reproduzir o modo de pensar, sentir, agir e viver, que produziram tais desafios. Para que os atuais paradigmas educacionais possam ser superados, é necessário estabelecer novas concepções, que apontem formas alternativas de pensar, estruturar e praticar a educação.
A carta de princípios dos Românticos Conspiradores fundamentaria a vital transformação da Educação, para que ela pudesse corresponder às necessidades das pessoas e da sociedade contemporânea. O primeiro dos princípios – “Educar-se para a Integralidade” – assim era definido: A educação deve contemplar a humanidade dos educadores e educandos em sua totalidade, sendo coerente com a indivisibilidade das dimensões biológica, mental e espiritual de cada pessoa. Como cada ser humano possui diferentes limites, possui também potencialidades que poderão ser desenvolvidas e expressas a partir das formações e transformações, que ocorrem durante toda a vida. Para isso a educação deve ser um processo intencional, contínuo e transformador, integral, e que repercuta durante toda a vida.
Entre 2005 e 2020, os RC se encontravam nos denominados “Encontros Nacionais de Românticos Conspiradores” (ENARC). Coerentes com o princípio enunciado, partilhavam práticas de chão de escola, anunciadoras de educação integral. Aprendiam a conviver na multidimensionalidade do ser. Na prática e conspirando, anteciparam em mais de dez anos o debate em torno da Base Nacional Curricular Comum. E, depois da aprovação desse espúrio documento, a conspiração virou projeto.
Nos dias 11 e 12 de julho do distante 2020, mais um ENARC aconteceria. Pela primeira vez, com um fraterno abraçar apenas virtual. Outros se seguiriam e sobre eles vos falarei. À distância de duas décadas, é com desprendimento que o faço, reverenciando, honrando a memória daqueles educadores que, num presente sombrio, construíram um luminoso futuro.