14/06/2021
Por José Pacheco
Há vinte anos, o “Dia de Santo António” foi comemorado num domingo soalheiro, mas, a Fabiana, a Janaína e a Luciane não puderam ir para a rua, nem com máscara protetora da Covid. Estavam em Portugal, mas em quarentena.
No Brasil, seu país de origem, a tragédia parecia não ter fim. Quando, no mundo, já se pensava em retirar as máscaras, cidades brasileiras se fechavam e criavam até barreiras de terra para evitar turistas. A ocupação de UTI para Covid-19 chegava a cem por cento, em várias capitais. O número de mortos aproximava-se de meio milhão.
Nas terras do sul dos idos de vinte, a moda pedagógica era o ensino doméstico. Começara a discussão no parlamento. Mas, no Rio Grande do Sul, um projeto já fora aprovado. Políticos populistas faziam valer pseudoargumentos. Nesse tempo, os gestores de política educacional, não eram especialistas em educação, mas eram eles que tomavam decisões. Desconheciam rudimentos das ciências da educação, aliavam-se a fundações e institutos empresariais, reproduzindo na educação as lógicas de mercado e da economia. E contavam com atitudes afins por parte de gestores tão ignorantes da pedagogia quanto eles.
Por essa altura, recebi um e-mail, que terminava assim:
“Minha última notícia, agora definitiva na escola em que trabalho, foi de que não sou mais autorizada a trabalhar com a turma piloto pois as gestoras consideraram que “não é viável para as crianças”. Depois de algumas reuniões, fiquei um pouco desanimada, mas não desistirei”.
Nos idos de sessenta, Agostinho da Silva escreveu que:
“A maior parte dos professores que combatem métodos novos fazem-no porque os desconhecem, ou porque todos à volta se conservam na rotina, num próspero analfabetismo em que uma boa parte não sabe ler e outra boa parte não entende o que lê”.
São tão transparentes as citações a que recorro, que apenas lhes acrescentei alguns alinhavos. São relatos feitos de angústia e alguma esperança. São pedaços de vida vivida nas escolas que ainda tínhamos. Falavam do desperdício do melhor que as escolas tinham: os seres humanos. Falavam de marginalização de excelentes profissionais, que por elas passavam e aos quais eu dava voz, por muito que isso incomodasse certas boas consciências.
Esses professores tinham rosto, tinham nome. A Cátia escreveu:
“O melhor de tudo foi, sem dúvida, as crianças, que se mostraram abertas, afáveis. A minha escola está cheia de professores insensíveis, resignados. Foram frios comigo. Mas eu já esperava. Já não me decepcionaram. Estou esgotada e quase sem motivação, para recomeçar o meu trabalho. Eram muitas pessoas, ao mesmo tempo, a dizerem-me que não acreditavam no que eu estava a fazer. O que mais me assustou foi o fato de serem fundamentalistas, de só aceitarem as práticas delas. Tudo o resto é lixo.
Sabe qual é o meu maior medo? É o de não conseguir ser a professora que eu quero tanto ser. Como posso mostrar aos outros o que os meus olhos conseguem ver? Como lhes posso dizer que a sua “realidade” nem sempre é a verdade? Estou de rastos. E tenho medo de ser eu quem está errada e não eles. O debate não existe, porque a verdade deles é a realidade. Está a custar. E dói só de saber que apenas estou no princípio”.
Nos idos de vinte, mensagens como essa me chegavam, o conservantismo ainda fazia estragos. Erigia-se como regra suprema a adesão à ordem estabelecida, sem resquícios de exercício de senso crítico, recusando qualquer possibilidade de ocorrer mudança, ou inovação. Prevalecia a desconfiança perante tudo o que mudasse, ou estabelecesse conflito com convicções de antanho.