02/03/2021
Por Salus Loch
Anita Waingort Novinsky, 98, e Hene Leja Mucinic, 92, chegaram ao Brasil em períodos distintos – a primeira em 1923, com apenas um ano de idade ao lado da mãe e da irmã mais velha para reencontrar o pai, que viera antes abrir caminho no Novo Mundo; a segunda, em 1939, com nove anos, ao lado da mãe e de quatro irmãos, igualmente para se juntar ao pai, que chegara meses antes.
A razão que trouxe ambas as famílias ao País foi a mesma: fugir do antissemitismo que grassava na Polônia e Lituânia, suas respectivas terras natais.
No entanto, a busca por um futuro melhor e a coragem dos genitores, que optaram por desbravar o desconhecido, não foram os únicos elementos que as aproximaram. Anita e Leja, ao conhecerem a história do educador, médico e escritor judeu polonês, Janusz Korczak, decidiram devotar parte de suas vidas e ensinamentos para manter vivo o legado do ‘Velho Doutor’.
Por feliz coincidência do destino, foi justamente Korczak que as reuniu em encontro on-line que marcou, nesta terça-feira, 16, a abertura das atividades do Grupo de Estudos da Associação Janusz Korczak Brasil (AJKB), em 2021.
Por mais de uma hora, as convidadas – respaldadas pelas diretoras da AJKB, Tânia Novinsky, neta de Anita; e Sarita Mucinic Sarue, filha de Leja – trocaram experiências, revelações e, com propriedade, destacaram a importância de Korczak para o passado, o presente e, especialmente, para o futuro.
Segundo Anita, a filosofia korczakiana se mostra vital no raiar da segunda década dos anos 2000, período, segundo ela, marcado pela violência e intolerância entre os homens e, destes, com as crianças. “Janusz Korczak ensinou, com toda a sabedoria e o amor que lhe era possível transmitir, o significado da palavra mãe a crianças órfãs – que, assim, tiveram a oportunidade de aprender e se desenvolver. Infelizmente, a vida traz imprevistos e, durante a Segunda Guerra, as crianças de Korczak foram solicitadas para a morte pelos monstros nazistas. O professor, que poderia ter tido outro destino, escolheu acompanhar seus alunos na vida eterna, comprovando sua personalidade e caráter inigualável. Hoje, devemos resgatar o amor à criança, o humanismo e os valores ensinados por Korcazk. Enquanto estiver viva, manterei o compromisso de continuar a obra dele”, resumiu Anita – para quem a AJKB, entidade que presidiu nos anos 1990, tem papel decisivo nesta tarefa.
A opinião foi reforçada por Leja, que, entre outros, lembrou como era a vida nos orfanatos administrados por Korczak, no começo do século XX. “Os orfanatos funcionavam como verdadeiras repúblicas democráticas, onde as crianças desempenhavam o papel de juiz, deputado e até jornalista. Aquilo dava a elas senso de liberdade, autonomia e dignidade. Precisamos trazer de volta tais princípios nas escolas e também na sociedade. Por isso, Korczak tem que ter seu nome, e propósitos, conhecidos em todo o mundo”, destacou Leja.
Ao final do encontro, as gentis senhoras – que somam 190 anos de ensinamentos e amor por Koczak, pelas crianças e pela vida – agradeceram a oportunidade, emocionando a audiência.
Anita Waingort Novinsky. Graduou-se em Filosofía pela USP com especialização em Psicologia pela mesma Universidade. Especializou-se, também, em Racismo no Mundo Ibérico pela ’École des hautes études en sciences sociales’, obtendo doutorado em História Social pela USP e pós-doutorado pela Universidade de Paris. É professora emérita da USP.
Hene Leja MUcinic. Mulher de vanguarda, Leja se formou em Odontologia na USP numa época em que a escolha feminina recaía, em regra, nos cursos de Pedagogia e Secretariado.
Janusz Korczak é o pseudônimo do médico e educador Henryk Goldszmit, também professor universitário, palestrante e um dos maiores nomes da história da Pedagogia, famoso por dirigir dois orfanatos referenciados em conjunto com as próprias crianças, na Polônia do século XX.
Quando os nazistas invadiram a Polônia, em 1939, Janusz abdicou da oportunidade de salvar a sua própria vida, incapaz de abandonar as crianças, e, em 1942, seguiu ao lado delas, do Gueto de Varsóvia – onde acolhia crianças judias – para o campo de extermínio de Treblinka.
Korczak era acima de tudo um ‘grande pai’, querido pelas crianças que puderam desfrutar de seus cuidados, carinho, amor e companhia, principalmente ao lado de Stefania Willczynska e Maria Faiska, educadoras com quem fundou os orfanatos.
A vida de Janusz Korczak é uma obra sagrada de educação que permanece latente dentro de todos aqueles que se permitiram contagiar com a força da sua dedicação e coerência; com suas palavras e ações na busca por um mundo mais justo, de espaço para infâncias plenas, brincantes, livres, íntegras e serenas.
A Associação Janusz Korczak do Brasil foi criada no final da década de 1980 pela professora Josette Balsa, em São Paulo. Atualmente, realiza campanha para conquista de um espaço para construção de sua sede própria – na qual pretende desenvolver projetos de escola, casa de acolhimento, cursos para formação de professores, centro de pesquisa, estudos e produção de conhecimento, iniciativas que, segundo o presidente Denis Plapler, visam honrar a pedagogia Korczakiana.
Entre os focos da Associação está, também, o trabalho de conscientização sobre o papel da paternidade no Brasil. Justamente por isso, a AJKB planeja promover Rodas de Conversa sobre Paternidade Presente e Imersões sobre Paternidade Profunda, em caráter presencial, em sua futura sede, e, de modo itinerante, para diversas organizações pelo País.