19/02/2021
Por José Pacheco
Recreio dos Bandeirantes, 12 de fevereiro de 2041
Há exatos vinte anos, com educadores que não matam memórias e as vivificam, celebrei o centenário do nascimento de Lauro de Oliveira Lima.
Netos queridos, muitos anos antes, aquando da minha vinda para o Brasil, tivera o privilégio de conversar com o Mestre. Melhor fora dizer que, religiosamente, o escutara. E, neste tropical fevereiro de 2041, lhe presto uma singela homenagem, partilhando-o, dando-vos a conhecer segmentos de uma das suas obras.
Na década de sessenta, Lauro escreveu o “Educar para a Comunidade”. Nesse livro, discorria sobre princípios que, se fossem lidos e adotados nas décadas seguintes, evitariam o caos social dos idos de vinte:
“Uma sociedade que se estrutura através de imposições não pode exigir minha participação. Não sendo coautor, não posso ser responsabilizado. O que se propõe é a substituição do processo de “obediência cega” pelo de “dinamismo de grupo”, o que do ponto de vista político-social significa a troca da tirania pelo processo democrático.
O educador não está preparando indivíduos: está construindo um sistema social. Não se encontra, nos menores detalhes a vida escolar, uma oportunidade para a solidariedade e para a vida comunitária. Estão implícitos nas práticas escolares vigentes os ideais de uma educação em que figurem como valores a satisfação pessoal, a garantia de sobrevivência à custa de tudo e todos, o prestígio social conseguido de qualquer maneira, a capacidade de acumular bens e aumentar a produtividade em próprio proveito e, finamente, a visão do “outro” como um provável concorrente e competidor”.
E aquele que abrasileirou Piaget fundamenta as suas asserções nas palavras do seu Mestre:
“O respeito mútuo substitui a heteronomia caraterística do respeito unilateral por uma autonomia necessária a seu próprio funcionamento e que se pode reconhecer pelo fato de que os indivíduos por ele obrigados participam da elaboração da regra que os obriga”.
Na mesma obra, Lauro aponta rumos para uma nova escola. Secundando Freire, diz-nos que ninguém aprende sozinho, que se aprende na intersubjetividade. Trinta anos antes do Ramon, aponta o rumo da comunidade de aprendizagem:
“O indivíduo se auto realiza na medida em que amplia suas inter-relações, em que comunica, em que participa na parcela maior da realidade. Inserido o indivíduo no contexto, é o contexto todo que deve ser objeto da ação educativa.
A solução é descentrar a atuação educativa do indivíduo em si para o campo em que se processa a sua liberdade criativa. É hora de começarmos a pensar em outro tipo de escola. A primeira medida é quebrar os muros que a segregam. É renunciar a que o corpo docente e não a comunidade é que educa. A escola deve servir à comunidade e participar de todas as atividades da comunidade”.
Perseguido, destituído de funções, Lauro não se resigna, mantém-se fiel a princípios e conclui:
“É preciso uma profunda crença na liberdade e na educação para não esmorecer diante de tantos obstáculos”.
Na segunda semana de fevereiro do distante 2021, se esboçou o cumprimento dos desígnios do Mestre. Honrando a sua memória e o seu legado, educadores extraordinários desenvolveram um processo formativo a que deram o nome de… “Aprender em Comunidade”.
Uma centenária utopia se concretizava. Núcleos familiares e círculos de vizinhança se juntaram a professores éticos, dando origem a turmas-piloto, que, definitivamente, varreram das escolas o instrucionismo. Uma fraterna rede de comunidades de aprendizagem despontava, dando forma ao sonho do Lauro.