01/02/2021
Por José Pacheco
Lapa do Lobo, 23 de janeiro de 2041
Uma das manias de velhos, como eu, é a de guardar quinquilharias. Ontem, encontrei uma caixa cheia de jornais. Passei a tarde lendo notícias dos idos de vinte, com um sentimento misto: de incredulidade e desgosto. Hoje, já é possível identificar as principais causas de tragédias anunciadas: ignorância e corrupção.
Num dos jornais, li notícias como estas:
“Mesmo sem público, Libertadores levará palmeirenses e santistas ao Rio. Torcedores querem estar mais perto do Maracanã na final; aglomerações preocupam autoridades” – Junto a um estádio, em bares lotados, um fanatismo irresponsável iria causar mais algumas aglomerações, propagação do vírus.
“Após críticas, Ministério da Saúde retira do ar aplicativo que indicava remédios sem eficácia contra Covid” – A ministerial desinformação era desmentida, mas tardiamente, pois contribuíra para mais algumas mortes evitáveis.
Outro jornal publicava uma entrevista com um secretário de educação. Quando, em outros países, se reconhecia que a “volta às aulas” havia sido fator de agravamento da crise, esse secretário afirmava que “a escola deveria ser a última a fechar por causa da pandemia”. E outros disparates proferiu:
“A ausência das aulas traz uma série de prejuízos aos alunos” – O secretário estava equivocado. Não sabia que eram as aulas (presenciais ou remotas) a causa da “série de prejuízos aos alunos”.
“O modelo híbrido veio para ficar” – Hoje, sabemos quanto custou ao erário público a adesão a esse paliativo do instrucionismo. Mas os ingênuos secretários da época não resistiram a mais essa pedagógica “atração fatal”.
“Temos evidências e estudos que garantem um retorno feito com segurança” – Até hoje, ficamos sem saber quais seriam os “estudos” e as “evidências”.
O “grupo de risco” em que o vosso avô se incluía, era prioritário num tardio processo de vacinação. Porém, eram comuns notícias como esta:
“Alunos e professores em home office “furam fila” da vacina no HC de São Paulo. Confusão com ‘fura filas’ reflete falta de cidadania e de planejamento federal”.
O instrucionismo gerava corrupção. Prefeitos e outros oportunistas – entre os quais, professores e alunos! – “furavam a fila” da vacinação.
Há vinte anos, era comum ver carros ultrapassando pelo acostamento, “furar fila” e assistir a outras práticas sociais nocivas. A modernidade projetara a sociedade numa ética individualista, na qual se pretendia conservar a benesse da liberdade, ignorando a prática da responsabilidade, que lhe era inerente.
Nas visitas a escolas, eu observava as inscrições pichadas nos banheiros, manifestações de indigência mental, de irresponsabilidade daqueles a quem competia fomentar a assunção de dignidade humana, o que também passava pela utilização de um banheiro.
Numa cidade do interior, ao lado da placa de aviso de quebra-molas, vi uma placa repleta de “nãos”:
“Não urine na calçada / Não jogue lixo no chão / Não faça sexo na praça / Não saia atirando por aí”.
Uma universidade ofereceu viveiros de plantas a escolas. As plantas secaram. Parecia que quaisquer tarefas que exigissem alguma dedicação eram de responsabilidade de outrem. Se um professor apontasse algo errado a um aluno, era provável que a resposta fosse “Não fui eu!”
O instrucionismo fragilizara o conceito de ética e as transgressões eram justificadas como regras do jogo de sobrevivência. Urgia concretizar uma educação reestruturante da vida pessoal e comunitária.
A pandemia iria prolongar-se por todo o 2021. Mas, uma nova construção social de educação emergia do caos.