29/07/2020

O centenário de Florestan Fernandes

Por José Pacheco

São Paulo, 22 de julho de 2040

Regressando à minha mátria brasileira, chego mesmo a tempo de celebrar os cento e vinte anos do nascimento do Mestre Florestan. 

A sua origem humilde moldou o teu caráter. Filho de mãe imigrante e analfabeta, começou a trabalhar como engraxate aos seis anos de idade. Foi forçado a abandonar a escola aos nove e fez as primeiras aprendizagens sociológicas na escola da vida. Porém, não deixou de acreditar que a educação poderia ser uma experiência transformadora e que as escolas deveriam formar “um sistema comunitário”. 

Como deputado federal, Florestan participou na Campanha de Defesa da Escola Pública, bateu-se pela escola que integrasse a dispersão cartesiana, bem como pela autonomia das escolas, que apenas tinha expressão na timidez do artigo 15º º da LDBEN, jamais regulamentado e, na prática, deturpado.

Em julho de 2020, comemoramos o seu centenário. Parece que foi ontem, que educadores brasilienses se reuniram, nesse mesmo dia, para anunciar a criação da primeira rede de comunidades de aprendizagem

Entre 2015 e 2018, para que (finalmente!) a LDBEN fosse cumprida, a Secretaria de Educação do Distrito Federal me solicitara um projeto de desenvolvimento de comunidades de aprendizagem. Feita a entrega do projeto, uma portaria criou a Comunidade de Aprendizagem do Paranoá. O projeto político-pedagógico da CAP apresentava-se deste modo: 

“Quando a comunidade se constitui como parte atuante da escola, com voz e participação na construção coletiva do projeto político-pedagógico, surge o sentido de pertencimento, isto é, a escola passa a pertencer à comunidade, que, por sua vez, passa a zelar com mais cuidado por seu patrimônio, a criar, planejar e respirar os projetos de interesse de sua gente, de sua realidade”. A “apresentação” da CAP começava com esse excerto do documento-base da política educacional da secretaria, o “Currículo em Movimento da Educação Básica”. Até então, esse documento havia sido letra morta. 

Em 2015, a pedido da secretaria, um núcleo de projeto se tinha constituído. Em 2018, o teor do documento começava a ter tradução prática, círculos de vizinhança eram esboçados. Nos encontros com as famílias, com a comunidade, com a secretaria de educação e órgãos de poder, seria suscitado o debate sobre a ressignificação do espaço escolar, bem como da relação deste com a comunidade. Visava-se materializar princípios e valores, que constavam do projeto e o fundamentavam.

Nesses encontros, era apresentada e explicada a proposta de reconfiguração da prática escolar às famílias que desejavam que os seus filhos participassem do projeto. Estimulava-se o encontro informal de esclarecimento. A “Campanha de Defesa da Escola Pública” do Mestre Florestan despertava de décadas de abandono. A defesa de um ensino público, laico e gratuito, enquanto direito fundamental do cidadão do mundo moderno, tomava forma concreta.

O projeto de criação da segunda comunidade de aprendizagem – a Comunidade de Práticas Sustentáveis do Mangueiral – assumia os mesmos princípios da CAP. Visava superar os modelos educacionais vigentes, buscando fertilizar as práticas, a partir do legado deixado por eminentes educadores. Florestan Fernandes e Anísio Teixeira eram disso exemplo, quando concebiam a ideia de uma educação integral, onde se acolhia a multidimensionalidade do ser humano e onde se usava como matéria-prima a própria vida. A rede de comunidades de aprendizagem foi a concretização prática desses princípios.

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