17/07/2020

Retomada das aulas: como se reorganizarão currículos e calendários?

Mais de três meses após a suspensão das aulas por conta da pandemia do novo coronavírus, as redes públicas de ensino começam a planejar possíveis caminhos para retomar as atividades presenciais. Os desafios, no entanto, não são poucos: incluem desde como reorganizar o calendário escolar até como realizar um diagnóstico das aprendizagens ocorridas remotamente.

A eventual volta às aulas também exigirá uma revisão da estrutura da escola em conformidade com os novos protocolos de saúde. Estas medidas impactarão dimensões como currículo, ambiência, carga horária e processos avaliativos.

Com tantas incertezas, redes de ensino e educadores ainda tateiam soluções. Em comum, há o encaminhamento sobre a necessidade de que este retorno seja gradual, que as turmas tenham menos alunos e de que se adote um modelo de ensino híbrido.

Sobre estas propostas, Cleuza Repulho, presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) entre 2011 e 2015 e consultora de Educação, comenta que um caminho discutido é juntar o ano letivo de 2020 ao de 2021. “É um quebra-cabeça possível, desde que olhemos regionalmente. O que não dá para fazer é ter uma decisão central, de cima para baixo. É preciso considerar as especificidades de cada contexto”, diz.

A especialista acrescenta que, apesar dos esforços das escolas e secretarias para manter os vínculos com os estudantes por meio de uma série de estratégias remotas, a verdade é que não foi possível avançar sobre conteúdos curriculares novos. “Quando a pandemia começou, o que as redes fizeram, em um primeiro momento, foi cuidar das questões da merenda. Ficou evidente o quanto era essencial para as famílias a alimentação oferecida pela escola.”

Passado este momento, algumas começam a se organizar para não perder o vínculo com os estudantes. Para tanto, se valeram do ensino remoto via internet, rádio local, TV. “Mas sabemos como a mediação do professor é importante para trabalhar novos conteúdos. E isto ficou defasado.”

Por conta deste cenário, Consed e Undime vêm elaborando o chamado Mapa de Foco da BNCC, com o objetivo de orientar gestores e professores na escolha dos conteúdos que devem ser priorizados pelas redes ainda este ano e quais competências e habilidades podem, inclusive, ficar para a série seguinte. “Outra discussão é a de criar um 4º ano do Ensino Médio opcional. Este seria aberto aos alunos que quiserem se sentir mais preparados para exames como Enem e vestibulares”, conta Cláudia Costin, ex-secretária de educação do Rio de Janeiro e consultora em Educação.

Como fica o calendário?

A Medida Provisória nº 934/2020 estabeleceu normas excepcionais sobre o ano letivo da Educação Básica decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública. Com isto, desobrigou as organizações educativas do cumprimento do mínimo de 200 dias letivos no ano de 2020. No entanto, manteve a exigência da carga horária anual de 800 horas.

Mas outras dúvidas também surgem: haverá reposição das aulas? Ou as atividades online serão consideradas como conteúdo dado? Se este retorno for gradual, quais alunos voltarão primeiro?

Na rede de ensino do Maranhão, por exemplo, os primeiros a voltar serão os alunos do 3º ano do Ensino Médio, sendo gradativamente seguidos pelas etapas antecessoras. No Rio de Janeiro, o movimento de retomada das aulas começará pelos alunos do 5º e 9 anos do Ensino Fundamental e 3º do Ensino Médio. Já em São Paulo, 35% dos estudantes de todas as etapas serão convocadas a retornar em uma primeira fase prevista para 8 de setembro.

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Macaé Evaristo, ex-Secretária de Educação de Minas Gerais, apontou que a retomadas das aulas presenciais não pode ser só uma discussão de dias letivos. “O direito à educação passa por tempos escolares, mas a prioridade é olhar para a situação de intensa exclusão educacional. Quem são os que têm acesso à educação remota? As crianças pobres, negras, indígenas e do campo estão, automaticamente, excluídas desse direito.”

Para Claudia, será essencial que as redes criem avaliações diagnósticas para ver o que foi aprendido neste período. “A ideia não é deixar ninguém para trás. Será preciso criar um sistema de recuperação de aprendizagem. Este ano não dá para falar em avaliação em larga escala, mas em avaliação diagnóstica. Seria profundamente injusto reprovar alguém.”

Além do desafio da inclusão, outra preocupação se impõe: a do acolhimento destes alunos após tanto tempo distantes. “Esta não é uma tarefa fácil. Muitos alunos perderam familiares, famílias perderam empregos, os casos de violência doméstica dispararam. E o próprio isolamento social mexeu com estas crianças e jovens de uma série de maneiras que precisam ser contempladas. A retomada das aulas presenciais deve começar por aí”, diz Cleuza.

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