13/07/2020
No Brasil, 1,7 milhão de crianças e adolescentes não estão matriculados em escolas, e 6,4 milhões têm 2 ou mais anos de atraso escolar, segundo dados do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Essa realidade, já desafiadora, pode ser agravada por causa do fechamento das escolas, em decorrência da pandemia de Coronavírus, e dependendo de como o retorno às aulas presenciais for conduzido.
Na tentativa de atenuar os impactos desse cenário, muitas redes já estão trabalhando para manter algum vínculo com os estudantes. “Quanto mais tempo afastados da escola, sem acesso à aprendizagem, maior é a chance de evasão”, explica Julia Ribeiro, oficial de Educação do UNICEF.
Assim, a especialista recomenda não medir esforços para alcançar a todos, lançando mão de recursos como a internet, a TV aberta, materiais impressos e rádios públicas. Igualmente importante é manter um mapeamento de quais estudantes matriculados têm acesso a um desses canais, e quais estão conseguindo realizar as atividades, e com que frequência.
Os dados serão úteis para um segundo momento, quando estados e municípios definirem os protocolos de segurança e propuserem uma data para reabertura das escolas. A partir dessas informações, professores podem planejar as melhores maneiras de promover o acolhimentos dos estudantes, e as estratégias para reorganização do calendário letivo e medidas diagnósticas que levem em conta as desigualdades sociais e de aprendizagem das turmas.
A distorção idade-série é outro fator que pode ser agravado durante e após a pandemia. “Os alunos que repetem de ano começam a ficar desmotivados, e vão se tornando multirrepetentes, até começarem a acreditar que a escola não é para eles, e desistir. Por isso deveríamos seguir o que fizeram outros países, proibindo a reprovação, a não ser que seja por frequência”, explica Cleuza Repulho, pedagoga e ex-presidente da Undime, lembrando que existem estratégias para garantir as aprendizagens sem precisar reprovar estudantes. “O ano letivo não está perdido.”
Ela explica que, para tanto, é preciso planejar calendários, diagnósticos e propostas diferentes para alunos que tiveram ou não acesso a conteúdos durante o isolamento social. Isso evita que os estudantes se sintam desestimulados e tenham dificuldades de aprendizagem, ou até sejam penalizados por isso, com avaliações que possam levar à reprovação.
“O fundamental é garantir o direito à educação, que não é um privilégio, é algo básico. Para isso, algumas redes vão juntar o ano letivo de 2020 ao de 2021 no mesmo ciclo, para evitar sobrecarga neste segundo semestre, por exemplo. Lembrando que não podemos deixar de lado a implementação da Base”, afirma Cleuza, reforçando que para que tudo isso possa ser feito, em primeiro lugar é preciso acolher os professores, estudantes e suas famílias.
Se esgotados todos os esforços para alcançar as crianças e adolescentes de forma remota durante a pandemia, e elas não retornarem às aulas presenciais quando for possível, é porque é hora de uma intervenção intersetorial. Julia Ribeiro, do UNICEF, recomenda que as redes promovam uma busca ativa de seus estudantes, para entender o motivo de não terem voltado para a escola.
Em geral, o que leva à exclusão escolar são questões ligadas à oferta de conteúdos descontextualizados da realidades dos estudantes, o atraso escolar, a falta de valorização dos professores, a ausência de acessibilidade para alunos com deficiência, infraestrutura e transporte escolar precários e a necessidade de fortalecer políticas públicas ligadas a esses pontos, e à inclusão escolar.
Há ainda um outro grupo de motivos que podem levar à evasão: racismo, homofobia, bullying, gravidez, trabalho infantil, pobreza, violência e exploração sexual. Estes últimos quatro tópicos, sobretudo, merecem uma atenção especial no contexto da pandemia.
“A pandemia agravou a vulnerabilidade socioeconômica de muitas famílias, e as redes podem encontrar muitos casos de evasão, com crianças e adolescentes expostos a violências diversas e ao trabalho infantil. Mas estas são questões que não podem ser resolvidas pela escola sozinha”, diz Julia Ribeiro.
Assim, seria necessário acionar outros setores do serviço público, como a Saúde e a Assistência Social. “A matrícula é o primeiro passo, mas para garantir todos os direitos das crianças e adolescentes para que possam permanecer na escola, é preciso todo um conjunto de ações. E agora, mais do que nunca, esses setores precisam estar alertas e atuantes para reduzirmos os impactos da pandemia”, afirma Julia.
A Busca Ativa Escolar foi desenvolvida há 3 anos pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas).
Trata-se de uma plataforma gratuita para ajudar os municípios a combater a evasão escolar, reunindo representantes de diferentes áreas – Educação, Saúde, Assistência Social, Planejamento. A ferramenta já está presente em mais de 3,100 municípios, e em 16 estados.
Há também o curso autoformativo Busca Ativa Escolar na Prática, que também é gratuito e tem por objetivo apoiar municípios e estados na implementação da estratégia.
*Texto publicado originalmente no Centro de Referências em Educação Integral