02/07/2020
Com a suspensão das aulas presenciais por conta da pandemia do novo coronavírus, milhões de brasileiros passaram a depender ainda mais da internet e outras tecnologias da informação e comunicação (TICs) para continuar aprendendo e ensinando – um fato que vem evidenciando como as desigualdades digitais estão presentes no País.
Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2019, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), cerca de um quarto da população (47 milhões de pessoas) seguem desconectados. O levantamento também aponta que 58% dos brasileiros acessam a rede exclusivamente pelo celular, proporção que chega a 85% na classe DE.
“Estes dados mostram como a questão do acesso ultrapassa a posse do aparelho. Alunos de contextos mais vulneráveis enfrentam limitações que vão desde ter que estudar pelo celular, com pouca memória ou conexão, até ter que dividir o aparelho com irmãos ou não ter um local em casa que possibilite a concentração”, comenta Rodrigo Nejm, diretor da SaferNet.
Tal contexto tem suscitado o seguinte debate: quão preparadas estão as escolas e redes de ensino para incorporar, de forma pedagógica e integrada, as tecnologias digitais em suas propostas curriculares e políticas educacionais?
Na opinião de Lilian Starobinas, professora do Instituto Vera Cruz, a pandemia deixou claro como ainda são poucas as instituições que exploram estas possibilidades. “Sempre houve uma certa hesitação em apostar na formação de professores para o uso pedagógico do digital ou em um parque de equipamentos. A discussão teórica avançou, mas a verdade é que não encontrou reverberação do ponto de vista prático”, diz.
Rodrigo acrescenta outro ponto: a necessidade de considerar as tecnologias digitais não somente como meio, mas também como objeto de estudo da escola. “É urgente formarmos para a cidadania digital, abordando aspectos como privacidade, uso de dados, violências que podem acontecer nas interações online, direitos e deveres no mundo digital. Não é uma palestra que dá conta disso. É preciso convidar os alunos, sistematicamente, a fazer uma reflexão crítica sobre como nos apropriamos destes recursos”, diz.
Mas apesar do momento urgir a mudança de paradigma, na prática, são numerosos os casos que insistem na reprodução dos velhos aspectos da sala de aula para o ambiente digital. Um equívoco, na opinião de Luciano Meira, professor da Universidade Federal de Pernambuco. “Uma aula nestes moldes, de transmissão de conteúdo, traz resultados ainda piores”, adverte. “A incorporação das tecnologias digitais nos convoca a transformar práticas culturais, a pensar em experiências imersivas de aprendizagem, nas quais os estudantes são colocados para resolver problemas, a pensar novas formas de ensinar e de se conectar com as pessoas”, diz.
Nesta perspectiva, muito tem se falado sobre ensino híbrido, modalidade que alia experiências de aprendizagem online e offline. “Por exemplo, na educação presencial, parte do tempo do professor é alocado para organizar dados sobre seus alunos. Mas quando você usa uma plataforma digital, isto é feito automaticamente. Então você pode ter menos tempo de aula, porém com trocas mais eficientes”, explica Luciano. “O que está em aberto ainda é como as pessoas vão conectar pedagogicamente estes dois mundos”.
Outro ponto importante é o papel do aluno na construção de sua aprendizagem. “Falam muito em autonomia porque é uma palavra coringa perfeita, mas é muito complexo construir isso. Exige sair da visão transmissiva de conhecimento para uma proposição de produzir coisas novas como mídias, criações artísticas, curadorias”, aponta Lilian.
As escolas que entenderem e incorporarem estes novos papéis mais rapidamente estarão mais aptas para educar para um mundo pós-pandemia. Pois, com suas potencialidades e limitações, a verdade é que as tecnologias digitais chegaram para ficar. “Devemos aproveitar esse momento para trazer inovação para a arquitetura pedagógica da escola. Até porque sua missão não é ensinar, é provocar as pessoas para repensar o mundo”, conclui Luciano.