13/05/2019
Garantir o protagonismo dos estudantes. Ouvir e conhecer as juventudes. Colocar os alunos no centro do processo de ensino-aprendizagem. Promover a participação cidadã dos jovens. Estas são algumas das expressões que comumente circulam em textos, rodas de debate e palestras, mas como concretizar efetivamente esses objetivos?
Reunidos no Seminário Responsabilidades da Sociedade com as Juventudes, quatro projetos compartilharam suas experiências de diálogo com os jovens. “É importante conectar as juventudes com os espaços e as pessoas que estão construindo propostas e tomando decisões, porque os jovens estão se articulando, são agentes das políticas e da vida, com muito a contribuir para a construção do Brasil que queremos”, afirma Helena Singer, socióloga e vice-presidente de juventude da Ashoka na América Latina.
Ela também destaca que o mundo mudou e continua a se transformar rapidamente, e que os jovens têm mais facilidade de compreender e transitar nesse cenário. “Os jovens tem muito menos coisas a desaprender do que os adultos, porque o mundo mudou e os mais velhos não acompanharam”, diz.
Elie Ghanem, professor na Faculdade de Educação da USP, refletindo sobre o cenário atual, afirma que muitas pessoas não são mais obrigadas a desempenhar papeis sociais fixos e, embora isso traga muita liberdade, também é preciso oferecer apoio para que as novas gerações construam sua própria identidade, evitando desorientação e dissolução dos laços de solidariedade.
“Mas essa iniciativa não deve ter apoio na caridade, mas na noção de direitos, e que remeta a decisões no espaço público. Portanto, ela deve apontar para políticas públicas adequadas, e que o poder do Estado exerça um alcance maior do que é o raio de ação da ajuda mútua privada”, pontua o professor da USP.
Conheça as quatro diferentes maneiras que estes projetos encontraram para articular juventudes, escolas, famílias e sociedade:
O Rede em Movimento, que atua no Rio de Janeiro, promove rodas de debate com jovens. Eles ouvem quais são os temas de interesse deles, chamam especialistas, sejam eles profissionais, pesquisadores ou jovens engajados no tema, e posteriormente conversam para saber o que acharam do debate e do formato.
“Nas pesquisas, descobrimos que saúde mental, genocídio da juventude negra e Reforma do Ensino Médio são os principais assuntos que os jovens querem debater”, diz Camila Nunes, de 25 anos, uma das representantes do projeto.
Outra atividade que desenvolveram durante o debate sobre o Ensino Médio, foi perguntar o que os jovens querem da escola. “Percebemos que eles querem ambiente escolar mais agradável, alterar métodos de avaliação, consultar os alunos para melhorar o ensino, respeito com a comunidade escolar, mais investimentos, igualdade de direito de acesso e permanência à educação, direito de expressão dos alunos, menos foco no vestibular e mercado de trabalho, e mais em preparo para o mundo”, relata Jéssica Amorim, 25 anos.
Aos 21 anos, Salvino Oliveira Barbosa, estudante de Gestão Pública na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), se uniu em 2018 a alunos do Colégio Dom Eugênio Sales, localizado em Cidade de Deus (RJ), para ajudá-los a criar um grêmio estudantil.
“Toda favela tem um Mozart, só não tem alguém para ouvi-lo tocar. Por isso parti do princípio de que esses alunos já tinham muito conhecimento, e que eu deveria ir lá para ouvir suas experiências e anseios”, diz Salvino.
A formação do grêmio envolveu um estudo sobre a importância histórica das agremiações, a definição de direitos e deveres da associação, e o início do diálogo e envolvimento com o corpo escolar, as famílias e a comunidade.
Dentre as ações já desenvolvidas, está a parceria com o posto de saúde e a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) para reformar praças da Cidade de Deus, com instalação de bibliotecas comunitárias e a realização de cine-debates.
“Até aqui já reconstruímos oito praças, porque locais abandonados são propícios a violência e insalubridade, colocamos caixas para as pessoas deixarem e pegarem livros. Também exibimos o documentário “Nossos mortos tem voz”, que foi muito impactante, porque a obra fala sobre a violência do Estado, e eles compartilharam suas experiências com essas violações”, afirma Salvino, ressaltando que essas ações não podem, e não tem por objetivo, substituir as responsabilidades do Estado.
Fundado por Cinthia Rodrigues, o projeto é uma plataforma que recebe demandas de jovens estudantes de escolas públicas de todo o Brasil, e busca voluntários para atender a estes pedidos.
“A escola nunca vai dar conta de atender a todos os interesses dos alunos, mas a sociedade pode, e o projeto oferece um caminho claro para essa participação, fortalecendo a escuta e participação do jovem em sua própria formação escolar e a integração entre alunos e setores da sociedade, e escolas e parceiros do entorno”, explica Cinthia.
O projeto teve início em 2015, quando atendeu a 415 pedidos. Em 2018, foram 12.297 atividades realizadas nos campo das artes, corpo e movimento, prevenção e direitos, profissões, ciências e tecnologias.
Cinthia explica que um dos cuidados do Quero na Escola é oferecer apenas atividades que não façam parte do currículo, para que o projeto não tome a responsabilidade do Estado para si, e não desvalorize o trabalho realizado pelos professores nas escolas. O projeto já serviu, inclusive, para cobrar ações do poder público.
“No final de 2017 e em 2018, percebemos um aumento muito grande no número de pedidos de conversas sobre depressão, suicídio, ansiedade e automutilação, e foi quando pressionamos por políticas públicas em relação a isso”, diz Cinthia.
Cinco jovens de diferentes periferias do Rio de Janeiro se uniram para criar a Caravana Itinerante da Juventude (CIJoga), que se propõe a promover espaços para debate e elaboração de políticas públicas, criados pelas juventudes, para as juventudes.
“Primeiro fizemos pesquisas para ouvir as demandas dos jovens, e as principais foram queixas em relação a mobilidade e saúde mental. Depois, em Campo Grande (RJ), escolhemos especialistas da própria realidade — jovens envolvidos no tema do próximo debate realizam uma pesquisa e fazem uma palestra para outros jovens”, relata Maria Clara Monteiro, 20, integrante do grupo.
Assim, os adolescentes são desafiados a dividir seus problemas cotidianos, como a falta de mobilidade na cidade ou a dificuldade em lidar com a depressão e, por meio do diálogo com outros jovens, vão construindo soluções e até propostas de políticas públicas.
Outro enfoque da Caravana, é trabalhar pela mobilização e participação das famílias e escolas. Gelson Henrique da Silva, 20 anos, explica que a CIJoga começou a estabelecer diálogos com ambas para entender como poderiam trabalhar em conjunto e como é a relação das juventudes com as escolas e famílias.
“Torcemos para que a gente acabe, para que a gente não seja mais necessário, porque só existimos porque faltam políticas públicas”, finaliza Maria Clara.