“A vida não pode parar. É preciso ir à luta, se reinventar (…) Estude, de qualquer lugar, de diferentes formas”, aconselhou a propaganda do Ministério da Educação (MEC), veiculada no dia 4 de maio, convocando os estudantes a realizar suas matrículas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020 em meio à pandemia de Covid-19.
O anúncio de que a data do exame – em novembro – seria mantida apesar da suspensão das aulas em todo o Brasil causou revolta entre educadores, estudantes e diversos setores da sociedade civil, que passaram a se articular para pressionar o adiamento do Enem.
A pressão trouxe avanços. Nesta terça-feira (19/5), o Senado aprovou o projeto de lei 1.277/2020, de autoria da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), que adia a aplicação do exame e de demais processos seletivos de acesso ao Ensino Superior em casos de calamidade pública ou de comprometimento do funcionamento regular das instituições de ensino do País. O texto agora deve seguir para votação na Câmara dos Deputados.
Horas antes da aprovação, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou nas redes sociais que realizaria uma consulta pública sobre a possibilidade de adiar a prova. Em sua conta do Twitter, Weintraub disse que os candidatos inscritos no Enem seriam consultados sobre seus anseios em meados de junho.
Maior porta de acesso à universidades do País, a manutenção da data do Enem era criticada por agravar as desigualdades entre alunos oriundos das escolas públicas e privadas. Se o contexto da pandemia de Covid-19 e, consequentemente, a suspensão das aulas permitiu que muitas escolas particulares conseguissem manter seus programas por meio do ensino a distância, na escola pública, este nem sempre é o caso. Vale lembrar que, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), 80% dos alunos matriculados no Ensino Médio no Brasil são das redes estaduais e estão, atualmente, com as aulas suspensas.
O quadro incitou estudantes de diferentes contextos a se articular pelo adiamento do exame. Exemplo disso é a “Carta de estudantes brasileiros e instituições de ensino em apoio ao movimento para o adiamento do Enem 2020”, publicada em 15 de maio e assinada por um grupo diversificado de jovens, representando grêmios de diversas escolas privadas e públicas, movimentos estudantis, cursos populares e instituições de educação.
“A manutenção do calendário significa o aumento da disparidade entre a educação pública e privada. Como estudante da escola pública, percebo como a educação a distância não se mostra eficiente, como os professores não têm estrutura para se adaptarem a essa situação e como muitos alunos não têm acesso à internet”, diz Letícia Rendall, 16 anos, da Escola de Aplicação do Recife – FCAP/UPE, signatária da carta.
Para a estudante, a posição do MEC deixa evidente a falta de conhecimento sobre a realidade de tantos alunos e sobre o que se passa em seu estado, um dos mais afetados pela Covid-19. “Depois de muito debate com meus colegas, vimos que essa era uma causa que precisava ser abraçada. A escola estava com funcionamento remoto e, neste momento, está em recesso. Não há condições de se manter o Enem”, diz.
Outra iniciativa de apelo juvenil que ajuda a fazer frente à decisão do MEC é o Sem aula Sem Enem, que mobiliza estudantes de todo o Brasil a criar campanhas de pressão direta nos deputados federais de seus estados por meio de uma plataforma.
Até o momento, mais de 4 mil campanhas haviam sido criadas pelo País, uma delas pelo estudante José Lopes, aluno de um colégio particular no Piauí. “Quando a pandemia começou, a data do Enem foi uma das primeira coisas com que me preocupei porque estou no 3º ano do Ensino Médio. Mas vi que em outros países como França e Espanha, que têm simulados parecidos, estavam adiando ou cancelando as provas e imaginei que o mesmo ia acontecer aqui”, conta.
Estudante de uma escola prestigiada, José admite a vantagem que levaria se a data for mantida. “Estou sempre recebendo materiais, tendo aulas. Mas sei que essa não é a realidade de todos os estudantes que vão participar do exame. Acredito que o Enem é um teste que já não dá conta de medir todos os nossos aprendizados, muito menos nesta situação de desigualdade. O ministro disse que era uma prova de competição, mas para mim não é: é uma questão de justiça social”, finaliza.