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Trabalhar com educação não é apenas ensinar, mas cultivar vínculos. É abrir espaço para que cada estudante encontre palavras para o que sente, pensa e deseja em relação à escola. Depois do período de distanciamento vivido na pandemia, boa parte dos meus alunos ainda carregava marcas emocionais: dificuldade de diálogo, insegurança, silêncio. Alguns não se sentiam à vontade para falar em grupo, mas se expressavam no papel.
Como professora de língua portuguesa, senti que precisava criar um espaço onde eles pudessem colocar para fora o que sentiam e, ao mesmo tempo, recuperar o prazer de ler e escrever.
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Em 2023, como professora das turmas de 7º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental José Mariano Beck, em Porto Alegre (RS), iniciei rodas de conversa semanais, com o intuito de acolher e escutar. No entanto, percebi que muitos continuavam em silêncio, isolados e sem se sentir à vontade para se expressar publicamente.
Foi assim que nasceram as “Caixas do Pensamento”: pequenas caixas decoradas na mesa do professor, dentro da sala de aula, onde qualquer estudante podia depositar bilhetes e cartas, anônimos ou identificados, compartilhando sentimentos, dúvidas, ideias e sugestões. Isso criou um canal de escuta pela escrita para que a turma pudesse, aos poucos, reencontrar o prazer de ler, escrever e conviver. Para a resposta, formei uma equipe de alunos leitores que, junto comigo, faz a triagem e leitura.






A primeira atividade aconteceu no aniversário da escola. Convidamos os estudantes a responderem duas perguntas simples: “O que tem de bom na nossa escola?” e “O que precisa melhorar?”. As caixas encheram. Nesta primeira atividade, que foi mais direcionada, recebemos cerca de 300 respostas.
Entre os pontos positivos, destacaram-se: recreio, educação física, comida, projetos no contraturno e passeios. Também apareceram alguns nomes de professores.
Pelo lado negativo, reclamações como o recreio curto, alimentação (o fato de não poder repetir o prato), nomes de professores e/ou disciplinas (especialmente matemática), problemas nos banheiros (descargas e portas estragadas, falta de sabonete e papel higiênico), reclamações sobre relações entre colegas (violência, bullying, dificuldade de diálogo) e reclamações sobre poucos horários de educação física. A leitura dos bilhetes revelou o quanto queriam ser ouvidos.
O grupo leitor PROJU (Protagonismo Juvenil) é responsável pelas mensagens. Iniciou-se com 6 alunas e hoje conta com 20 estudantes. A orientação é que respondam validando os sentimentos dos colegas, agradecendo por terem compartilhado conosco.
Cada vez que abrimos as caixas, começo com a leitura prévia de todas as cartas para garantir que nada passe despercebido, especialmente denúncias graves ou assuntos sensíveis que exijam um olhar mais cuidadoso. Após a triagem inicial, dividimos o material entre as duplas ou trios de estudantes. Eles leem, conversam sobre o conteúdo e combinam quem ficará responsável pela resposta. É um momento muito rico de escuta, reflexão e troca.
Quando aparecem cartas anônimas, transformamos o conteúdo em um texto coletivo, escrito a várias mãos, abordando os temas que surgiram. Esse texto é entregue ao professor conselheiro (cada turma tem o seu), que então organiza uma roda de conversa ou propõe outra forma de trabalho a partir do tema.
Lembro de uma vez em que recebemos uma carta anônima denunciando casos de racismo na turma. A partir dela, sugerimos ao professor conselheiro que promovesse atividades de valorização da herança afro-brasileira, como pesquisas e leituras literárias. Também buscamos apoio da Orientação e da Supervisão Escolar para registrar o ocorrido e planejar novas intervenções junto à turma.
A partir dessas vozes, estruturamos a sequência didática de língua portuguesa em torno do gênero epistolar (forma de comunicação escrita que se baseia na troca de correspondências entre duas ou mais pessoas).
Começamos com a roda de conversa e construímos o mapa coletivo de sentimentos, registrando acordos de convivência no Caderno da Turma.
O mapa foi construído a partir das perguntas “Quando me sinto bem na escola?”; “O que quero que mude na escola?” “Na escola, tenho medo de…”.
A primeira pergunta revelou a importância da amizade e dos vínculos afetivos; a segunda, a falta de escuta por parte dos adultos; e a terceira, questões sobre bullying e o medo de julgamentos.
Em seguida, iniciamos a leitura literária de cartas com “Cartas para minha mãe”, de Teresa Cárdenas, trabalhando quem escreve, para quem escreve e com que marcas de linguagem.
Avançamos para a análise de variações do gênero (bilhete, carta, recado, convite e e-mail escolar) para reconhecer propósitos, interlocutores e níveis de formalidade.
Para articular linguagem e participação, estudamos textos epistolares de intervenção (carta de reclamação, carta de solicitação e abaixo-assinado) como ferramentas de protagonismo estudantil. Ao cruzar o que aprendemos com os problemas mapeados nas caixas, a turma elegeu prioridades e começou a produzir textos reais para encaminhar à escola.
Escrevemos, por exemplo, uma carta de solicitação em que a turma pedia uma caixa de materiais para a sala (com lápis, canetas, borrachas, apontadores, tesouras, etc.), evitando a necessidade de saírem para buscar. As líderes da turma entregaram-na à direção, que reagiu de forma positiva, elogiando a iniciativa e o texto.
Nas Aulas 6 e 7, ampliamos o repertório com o romance epistolar “A vida na porta da geladeira”, de Alice Kuipers, e organizamos a troca de cartas entre turmas, promovendo leitura, resposta empática e socialização. As cartas traziam desde pedidos de conselhos amorosos até apresentações pessoais, relatando gostos e preferências.
Em paralelo à aplicação da sequência didática, formalizamos o funcionamento das caixas: os estudantes elaboraram regras de uso, inspiradas no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), nos Direitos Humanos e nas normas da escola, registrando tudo no Caderno da Turma.
| Regras das Caixas do Pensamento – Aprendendo a cuidar do que se escreve |
|---|
| 1. O que você pode pôr na Caixa? – Desabafos falando de seus problemas; – Denúncias de assédio, bullying, racismo, homofobia; – Falar de problemas da escola ou da sua turma; – Dar ideias para melhorar a escola ou a sua turma. 2. Como funciona? ★ Dever dos guardiões: |
O grupo leitor foi consolidado no contraturno como PROJU com formação em escuta empática, papéis definidos, roteiros de leitura e modelos de resposta. Iniciando com 6 alunas, o grupo expandiu-se, abrangendo estudantes do 6º ao 9º ano (e não apenas do 7º ano).
Realizamos a primeira leitura organizada das caixas, com categorização de temas recorrentes (banheiros, recreio, bullying, sala de aula, professores) e a produção de um relatório-síntese com prioridades.
A partir dele, redigimos uma carta coletiva à direção, com as prioridades e propostas negociadas. A grande maioria foi atendida, o que resultou, por exemplo, na negociação sobre o intervalo escolar: como não há possibilidade de aumentar o tempo, os estudantes conseguiram negociar um “recreio estendido” mensal, com brincadeiras e jogos propostos pelos professores. As professoras de matemática receberam apoio para incluir metodologias ativas, com jogos e desafios.
Todos os educadores passaram a fazer parte do projeto. Há uma Caixa de Pensamento na sala dos professores. Um trio ou dupla de adolescentes lê e divide entre eles quem vai responder, por afinidade com o assunto.
Contamos hoje com 17 caixas (eram 17 turmas no turno da manhã), que ficam à disposição dos estudantes, o ano inteiro. São periodicamente recolhidas para a leitura e devolvidas às salas de aula. O grupo do PROJU entrega as respostas diretamente aos remetentes.
Para cuidar do clima de convivência, promovemos uma oficina de linguagem acolhedora e reescrita de mensagens ofensivas, transformando ataques em enunciados assertivos e respeitosos.
Em seguida, planejamos uma oficina sobre bullying e preconceitos e criamos uma peça teatral, “A menina que sofria bullying”, com cenas inspiradas, e protegidas, pelos relatos, culminando em apresentação e roda de conversa para toda a comunidade escolar.
Com base nesses movimentos, organizamos mudanças concretas: recreio estendido, apoio às professoras de matemática para metodologias ativas, e presença estudantil no Conselho Escolar. A proposta, que começou em uma turma, espalhou-se pelos anos finais; cada sala passou a ser responsável por sua caixa, suas leituras e suas respostas.
A mudança é bastante perceptível para quem acompanhou o projeto desde o início. Os estudantes se sentem mais ouvidos, e as reclamações superaram a “queixa”, evoluindo para propostas de ação. O clima escolar está mais alegre e amistoso.
Também organizamos um projeto pedagógico estruturado nessa escuta pela escrita.
O trabalho com cartas mostrou aos estudantes que escrever é refúgio e diálogo. Ampliamos repertório com bilhetes, convites e cartas reais e conectamos tudo ao cotidiano e às emoções da turma.
A prática está alinhada às competências da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) ligadas à produção textual, argumentação e leitura crítica, e buscou inspiração na Disciplina Positiva, promovendo respeito mútuo, corresponsabilidade e cooperação. Minha função foi mediar processos, garantindo autonomia e protagonismo.
Nem tudo foi fácil. Algumas caixas foram violadas e surgiram bilhetes ofensivos. Em vez de punir, transformamos os episódios em oportunidades de aprendizagem sobre respeito, limites e empatia. Com o tempo, as Caixas do Pensamento tornaram-se símbolo de escuta na escola. Os estudantes passaram a propor melhorias, organizar eventos e reconhecer a palavra, escrita ou falada, como ferramenta de transformação.
A leitura e a escrita ganharam sentido social. As produções passaram a mobilizar mudanças reais no cotidiano. Os laços entre estudantes e professores se fortaleceram e o ambiente ficou mais acolhedor. Hoje, quando uma nova carta aparece em uma das caixas, ela é recebida como gesto de confiança e pertencimento.
Os laços entre estudantes e professores se fortaleceram e o ambiente ficou mais acolhedor
Descobri que meus alunos e alunas amam escrever sobre si mesmos e têm um enorme desejo de protagonismo. Ao abrir espaço para que falem, escrevam, proponham e tomem iniciativas, descobri a enorme potência que estava guardada naqueles olhares aparentemente desinteressados. Não era desinteresse: era desejo de escuta, era criatividade represada! Ao valorizar o que os alunos dizem e fazem para além dos conteúdos sistematizados, a escola descobriu o quanto tem a aprender com eles.
Escola é coletivo, e assim temos reconstruído o clima escolar de nosso pequeno lugar no mundo. Apesar de viverem em situação de vulnerabilidade social, meus alunos e alunas são conscientes de sua potência e desejam mostrar seu brilho ao mundo. E eu, como sua professora, tenho o dever e o desejo de lutar para que isso se concretize.
As Caixas do Pensamento mostram que não é preciso muito para começar: uma caixa, papéis e a decisão de escutar. A experiência revelou uma escola de autoria e cuidado, onde cada estudante aprende que escrever também é existir e transformar o mundo ao redor.
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