22/10/2020

Em 2020, mais um sedutor modismo pedagógico assumiu protagonismo

Por José Pacheco

Porto Ferreira, 15 de outubro de 2040

No outubro de 2020, a Internet foi invadida por sistemas e plataformas de ensinagem, e o mercado da educação ganhou novo fôlego. Parecia que a erradicação do instrucionismo iria ser, mais uma vez, adiada. Foi, então, que mais um sedutor modismo pedagógico assumiu protagonismo. Vindo do norte anglo-saxônico – mais uma vez! – o “híbrido” tomou de assalto o digital. 

Entretanto, recebi inúmeros pedidos deste tipo:

“Professor Pacheco, poderá explicar-me o “Método da Ponte”? Quer dar cursos sobre o seu método?” – foram às dezenas os convites com promessas de vil metal. Com gentileza, enjeitei os amáveis convites, recusei transforar-me em mercador de paliativos educacionais. Mas houve quem utilizasse o meu nome, para ganhar muito dinheiro. Soube, mais tarde, que “professores do ano e de nota 10”, áulicos universitários saídos das catacumbas da educação do século XIX e até educadores que eu acreditava serem honestos, se juntaram aos “abutres”.

O cenário da continuação da tragédia instrucionista estava montado. Empresas e fundações patrocinavam generosamente organizações consideradas inovadoras – que de inovadoras nada tinham – lideradas por titulares de cursos de administração de empresas e por técnicos de Marketing, que apenas visavam lucro, explorando a ignorância e a ingenuidade pedagógica.

Consultei a lista de palestrantes de “lives” promovidas por essas empresas. A curiosidade me levou à consulta do curriculum vitae desses improvisados e falsos “especialistas” em educação. Eram especialistas em Administração, Gestão de Empresas, Design de Produto, Publicidade e Propaganda, Informática, Direito, Finanças, Varejo e Serviços, Ciências do Consumo Aplicadas, Educação Executiva… 

Proliferavam “inovações” na Internet. Psicólogos protagonizavam “lives” de autoajuda. Médicos davam formação sobre “neuroeducação em sala de aula”. Economistas introduziam o “e-learning em sala de aula”. Filósofos discorriam sobre “computação ubíqua em sala de aula”. Comunicadores principescamente pagos proferiam palestras sobre “inovação”, recuperando pedagogias fósseis, como a do “aluno no centro do processo de aprendizagem”. E os professores as reproduziam em situações de ensinagem… em sala de aula. 

Um sindicato atento às vorazes diligências de “grupos abutres de educação à distância” (sic) lançava avisos: 

Em tempos de crise, como é o caso dessa pandemia que estamos vivendo, podem aparecer alguns, tentando se aproveitar do desespero das escolas, para vender (…) Este é um alerta, que nós temos a obrigação de fazer, pois as informações e todas as pesquisas que essas pessoas usam, para tentar convencer os mantenedores a comprar seus serviços (…)”.

No distante 2020, os “híbridos” seduziam a administração educacional e secretarias de educação compravam “gato por lebre”. Numa economia de mercado, o direito à educação estava transformado numa mercadoria. Alunos transformados em “monstrinhos de tela”, consumiam currículo prescrito, como cobaias de burocratas e de aprendizes de feiticeiro, que usurpavam espaços onde deveria acontecer aprendizagem. 

Iríamos esperar mais um século pela erradicação da escola da sala de aula? Em parte, foi o que aconteceu, mas a parte saudável do sistema resistiu. Depois de os abutres se terem saciado, outras aves – aquelas de que vos falei nas cartinhas do início do século – movidas pelo Amor, que sempre estivera presente no canto das almas sensíveis, fizeram ouvir o seu canto.

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