11/05/2021

É preciso trabalhar em equipe. E trabalhar com a comunidade

Por José Pacheco

Nos idos de vinte, a sofisticação do discurso pedagógico continuava a não encobrir a miséria das práticas. E este idoso insuportável continuava a propor o diálogo, sem hesitar em fustigar por escrito quem prejudicasse crianças. Questionava práxis e “opiniões” carentes de fundamento. Salvaguardava o respeito pelas pessoas, embora tivesse sido caluniado e desrespeitado.

Dado o meu caráter de taurino com ascendência em virgem, não cedia à omissão e ao fácil. E, porque não renunciei a princípios, fui alvo de incompreensão e de tentativas de assassinato de caráter. 

Jovem e irreverente professor dos primórdios dos anos setenta, criei sarilhos nas escolas por onde passei. Numa delas, diariamente, mudava as mesas da sala de aula do enfileiramento individual para círculos de trabalho em equipe. Até que a “professora da manhã” deixou no quadro negro uma mensagem para o “professor da tarde”:

“Colega, deixe estar as mesas como estão, no seu lugar normal”.

Já nessa altura, eu respondia com perguntas. E deixei recado no quadro negro:

“Colega qual é o “lugar normal”?”

A “professora da manhã” foi fazer queixa à Direção. No dia seguinte, uma funcionária entregou-me “uma ordem da senhora diretora”: 

“Deixe as mesas como no turno da manhã”.

Não “deixei”. Apelidaram-me de “arrogante” e de “desrespeitoso”, mas continuei a mudar o “lugar normal” das mesas”.

Em 1976, entregaram-me uma turma considerada “o lixo da escola”. Havia quem chamasse “lixo” a seres humanos, a crianças lesadas pela escola. Apresentei ao Conselho Escolar o que me propunha fazer. A escola não tinha projeto escrito. Elaborei um projeto, que ainda guardo no caixote das velharias. Ninguém se dignou lê-lo. No sábado seguinte, a diretora respondeu que o Conselho Escolar “não autorizava”. 

Se a memória não me atraiçoa, reproduzo, mais ou menos, o que aconteceu nessa reunião. A diretora tinha convencido as suas servis professoras de que eu era “um perigo” (expressão confidenciada por uma colega, anos depois). Ignorei a “ordem” e perguntei se alguma colega queria participar. De novo, fui interrompido pela diretora:

“Não ouviu, colega? Tem de respeitar a decisão do Conselho Escolar! A sua proposta não foi aceite.”

Insisti, fu intimidado e repliquei:

“Não se trata de uma proposta, mas de um projeto. É preciso trabalhar em equipe. E trabalhar com a comunidade. Já estou a trabalhar com três pais e uma mãe…”

“Os pais, caro colega, que fiquem em casa! Não aceitamos a sua proposta e pronto!”

“Não se trata de uma proposta, mas de um projeto. E vou fazê-lo, com os pais, quer a senhora queira, quer não queira!”

Acusou-me de “arrogância” e “desrespeito”. 

Durante seis anos, apesar das ameaças, “aguentei o tranco”. Após a publicação da Lei de Bases, fizeram-me diretor. As “dadoras de aula” desertaram. Com a Maria José e a Luísa, constituí o que, depois, se chamou “turma-piloto”. O projeto se consolidou e toda a escola nele se envolveu. 

No abril de 2021, fui a Portugal, não só para “curtir” a família, mas para ajudar educadores em processo de mudança. Como é evidente, deveria começar por colaborar com um projeto, que ajudei a criar e a manter. Reuni com a Gestão e com a Direção. Disseram que eu já não fazia parte do projeto. Pressenti que iriam recusar aquilo a que chamaram “proposta”. E reagi ao desvirtuamento do projeto como reagira, quarenta e cinco anos atrás:

“Não se trata de uma proposta. Se não houver um professor que assuma um compromisso ético, a turma-piloto será criada com a comunidade.”

À míngua de argumentos, chamaram-me “arrogante” e “desrespeitoso”.

As plataformas da Cidade Escola Aprendiz utilizam cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para recomendar conteúdo e publicidade.
Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.